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Há uns anos, escrevi na “Visão” uma carta ao aluno que não lê “Os Maias”. Em reacção, muitos alunos me têm dito que não pensam naquele calhamaço que lhes atiram para as mãos, pesado como um tijolo, como uma obrigação, um dever a cumprir o mais rapidamente possível para depois rapidamente esquecer.
Dizem-me que sentem verdadeiro dever e compromisso - verdadeira obrigatoriedade - pelo que passaram a encarar como seu. E muitos acrescentam que amam o calhamaço e quem o escreveu. Com a vida pronta a acontecer-lhes, Eça de Queiroz responde-lhes a dúvidas que nem sabiam ter. E descobrem um Eça íntimo, que lhes pertence, que é deles e de todos; além de assistirem ao alcance maravilhoso da própria língua, instrumento comum no dia-a-dia - mas ali arte feita português, como se Eça engrandecesse, dentro deles, uma voz que achavam pequena.
Os alunos a quem o sistema de ensino apresenta a obra queirosiana vão-se juntando a uma longa sucessão de leitores, ininterrupta de geração em geração, desde que, em 1866, Eça publicou o primeiro texto.
Custa-me imaginar tais multidões, mas foram elas, e somos nós, que hoje levamos Eça de Queiroz para o Panteão. Se é evidente que a posteridade estava assegurada pela leitura contínua desde há mais de cento e cinquenta anos, a entrada no Panteão homenageia a intimidade que os leitores sempre sentiram pela obra, além de reforçar mais uma vez, num momento simbólico, a relevância literária, cultural e social da obra queirosiana.
Alegro-me pelo papel da Fundação Eça de Queiroz, a que presido, no caminho que se fez desde 2020 até hoje. Não só lançando o repto à Assembleia da República, como estando em cada momento de uma homenagem que sempre encarou como justa, límpida e legítima. Foi um longo trabalho a acrescentar aos longos trabalhos em prol do escritor que temos promovido nos últimos trinta e quatro anos.
Neste fim-de-semana, em Tormes, centenas de pessoas homenagearam Eça visitando a casa, vendo alguns objectos que o acompanharam em vida e que raramente são mostrados ao público, e sobretudo marcando presença na câmara-ardente, que foi um momento solene, digno e belo: Eça despedia-se de Baião, onde na verdade sempre ficará, representado pela Fundação Eça de Queiroz, onde se encontra todo o seu espólio.
Alegro-me também pelo apoio da maioria dos descendentes de Eça de Queiroz, que permaneceu sempre serena e certa da justiça desta celebração, além de certa da pureza de intenções de todos os envolvidos.
Mas hoje é um dia de homenagem nacional a Eça de Queiroz. Levamos hoje Eça de Queiroz - física e simbolicamente, como sinal de compromisso e agradecimento - para onde ele já estava: absolutamente dentro do nosso imaginário comum.
O autor escreve segundo a antiga ortografia