Economia digital e criativa, o sistema operativo CIM (II)
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No primeiro artigo refletimos sobre a metanarrativa do discurso da necessidade em redor da economia digital e criativa. Neste segundo texto vamos à procura de uma racionalidade de base territorial que faça a ponte entre o programa operacional regional do nível NUTS II e o plano diretor municipal do nível concelhio. Essa racionalidade intermédia de base territorial vamos encontrá-la no sistema operativo CIM, o operador da rede de economia digital e criativa da comunidade intermunicipal. Eis algumas áreas de competência da CIM onde a digitalização e a criatividade são decisivas para manter e salvaguardar a coesão dos territórios:
- Em primeiro lugar, conceber e materializar a smartificação e digitalização do território, no quadro da chamada especialização inteligente regional, em particular tudo o que diga respeito à instalação de dispositivos tecno-digitais e, em especial, a uma infraestrutura fundamental de hiperligação e produção de dados como é o centro partilhado de recursos digitais da CIM (1);
- Em segundo lugar, é fundamental o lançamento de um programa de literacia e capacitação digital para os vários públicos e nessa linha de orientação decidir sobre a criação da escola de artes e tecnologias da CIM (2), com o objetivo de formar os futuros talentos criativos;
- Em terceiro lugar, é fundamental o lançamento do plano verde intermunicipal, com destaque para os processos de descarbonização, o restauro da biodiversidade e dos serviços de ecossistema e a reabilitação das infraestruturas verdes e corredores ecológicos, e a criação, para esse efeito, do centro de ecologia funcional e criativa da CIM (3);
- Em quarto lugar, no âmbito do plano verde e como instrumento de uma estratégia agroalimentar e ecológica regional, é fundamental o lançamento do parque agroecológico intermunicipal, assim como, o banco de solos e a incubadora rural da CIM (4), tendo em vista rejuvenescer o tecido empresarial do mundo rural;
- Em quinto lugar, é fundamental criar o ecossistema territorial e as estruturas de acolhimento para residências artísticas e espaços de coworking tendo em vista receber bem os nómadas digitais, a classe artística e criativa e o movimento starting up, criando para o efeito o hub criativo da CIM (5) em estreita ligação com a escola de artes e tecnologias;
- Em sexto lugar, e no âmbito da economia dos bens comuns colaborativos (BCC), é fundamental uma associação muito especial entre criatividade e digitalização para o design e a gestão dos programas de envelhecimento ativo, voluntariado e associativismo juvenil e, em particular, a provisão efetiva de serviços públicos de interesse geral através da rede intermunicipal de cuidados ambulatórios (6);
- Em sétimo lugar, é fundamental realizar o mapeamento das fileiras, cadeias de valor, áreas empresariais, mercados de nicho e denominações de origem com maior potencial e valor acrescentado para a coesão territorial, mas, também, para as produções artesanais que acrescentam indicação geográfica e geografia sentimental às produções e serviços mais convencionais, criando, para o efeito, uma plataforma colaborativa CIM de marketing e branding territorial para orientar as economias de rede e aglomeração da comunidade intermunicipal (7);
- Por último, é fundamental saber, sobretudo nas áreas de baixa densidade (ABD), qual a melhor forma de conhecer e comunicar o valor simbólico de uma comunidade intermunicipal, em especial, a salvaguarda do espírito do lugar, as imagens de marca distintivas e a consistência narrativa de um território, logo agora que a turistificação em massa pode pôr em causa a tranquilidade e o bem-estar das populações e o seu património natural e cultural; por tudo isto, é fundamental que a CIM seja um ator-rede intermunicipal com legitimidade e autoridade para promover e salvaguardar o espírito do lugar e a sua consistência narrativa enquanto destino de visitação (8).
Aqui chegados, e a propósito de ABD, justifica-se uma espécie de teoria crítica da economia digital e criativa que salvaguarde o essencial do sistema operativo das CIM e assegure a sua efetiva operação nestas sub-regiões mais vulneráveis. De facto, neste momento não sabemos ainda qual é o sentido estratégico que as CIM desejam imprimir ao seu projeto político enquanto destino coletivo: desejam ser uma simples associação intermunicipal tendo em vista viabilizar uma mera candidatura municipal, desejam ser uma rede urbana policêntrica e colaborativa com alguns serviços comuns providenciados pela CIM ou desejam ser uma região-cidade, uma verdadeira autarquia de 2º grau, com atribuições e competências próprias e delegadas e com uma ambição política superlativa face à realidade atual?
Tendo bem presente estas opções ou a falta delas, um pensamento crítico sobre a relação entre economia digital e criativa e coesão territorial nas ABD deve refletir bem que um conjunto de medidas de política aplicado a estratégias diferentes produz resultados muito diferenciados. Tendo isto em mente, as ABD e as suas CIM devem reivindicar prioritariamente:
- Em primeiro lugar, as infraestruturas, funcionalidades e serviços digitais que promovam uma nova cartografia digital do território, um novo espaço público comum, se quisermos, uma georreferenciação complexa onde os bens comuns digitais facilitam a sua hiperligação e projeção para os serviços criativos;
- Em segundo lugar, a plataforma analítica territorial da CIM como parte da plataforma analítica regional da NUTS II; sem esta plataforma fica mais difícil realizar a digitalização do programa operacional regional, dos planos diretores municipais e do plano de ação da CIM, assim como a política de dados abertos e a coprodução de serviços ao público;
- Em terceiro lugar, o plano verde da CIM, mas, também, a rede urbana policêntrica da CIM, o parque agroecológico intermunicipal e as novas relações cidade-campo, a região-cidade CIM como cenário e acontecimento criativos, todas estas realizações criam as condições para que os serviços digitais sejam projetados nos bens e serviços das indústrias culturais e criativas, em múltiplos eventos que bem interligados podem dar outra consistência à coesão territorial da CIM;
- Por último, o sistema operativo da CIM e a governação multiníveis não têm uma vida fácil pela frente, pois têm um claro problema de baixa intensidade-rede devido aos efeitos de difusão e dispersão com origem em muitos programas e financiamentos, cada um com as suas próprias regras de acesso; por outro lado, o processo de modernização e transformação de cada setor tem a sua velocidade própria e a cada uma corresponde um arranjo tecnológico e digital e uma abordagem específico de governo e administração; o sistema operativo CIM tem a vantagem da proximidade, pode fazer uma abordagem mais pedagógica do modo de funcionamento das economias de rede a aglomeração e encontrar formulas de regulação digital e criativa mais ajustadas à variedade de modelos de gestão e negócio informático, à proteção da vida pessoal e a uma cultura dos territórios que respeite integralmente a diversidade e a coesão territoriais.
Notas Finais
No caso de Portugal e, em especial, no caso das ABD, a questão essencial entre economia digital e criativa e coesão territorial é saber se a tecnologia digital e o processo
criativo fazem baixar o custo de oportunidade de ter uma administração pública com quatro níveis de administração – central, regional, intermunicipal, municipal – ou se, pela sua própria arquitetura espacial e engenharia socioinstitucional, a CIM dispensa uma administração a quatro níveis e fica investida de atribuições e poderes próprios, ou seja, um ator-rede na verdadeira aceção com legitimação e aceitação sociopolíticas quanto baste.
A grande questão em aberto é a de saber se o sistema operativo CIM, para realizar o programa que enunciámos anteriormente, é capaz de reunir as condições mínimas objetivas que lhe permitam superar a sua baixa intensidade-rede e, dessa forma, cumprir os 4E da boa administração pública, a saber, a eficácia, eficiência, equidade e efetividade. A Comunidade Intermunicipal das ABD merece essa oportunidade.