A actualidade política justifica mais um adiamento na minha promessa de voltar ao tema do desemprego e às sugestões recebidas - podem continuar a enviá-las para albertocastro.jn@gmail.com. Proponho-me meter a minha colherada naquilo que tem sido, e promete ser, o tema quente do momento: a violação do segredo de justiça.
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O mau funcionamento da justiça, entendida em sentido lato, é hoje tido, por muitos, como o principal entrave à modernização do país. Confrontados com esta acusação muitos agentes do sistema de justiça dão a resposta clássica em Portugal: faltam-nos meios. Não sei se por falta de gente, se por outra razão qualquer, temos assistido, no domínio da investigação judicial, à escolha de uma tecnologia mais intensiva em "capital": em vez da investigação clássica, tem-se a sensação que as escutas passaram a ser a forma preferida de produzir evidência. Só por si, este já seria um motivo de preocupação, num sistema democrático, se não for claro quem define quem deve ser escutado, em que circunstâncias e como preservar o sigilo. Ou seja, como acontece nas empresas, não podemos mudar de tecnologia e manter a forma de gestão. Numa investigação clássica, o resultado é função de um conjunto de contributos parcelares, requerendo alguém, bem identificado, que lhe desse sentido e coerência. Com o recurso à tecnologia das escutas, alguns desses contributos parecem ter vida e valor próprios. Quando assim é nas empresas, há o perigo que esses segredos sejam passados aos concorrentes - a informação não foge sozinha! Para prevenir a ocorrência desses casos, as empresas investem em sistemas de controlo e têm extremo cuidado com o perfil deontológico de quem recrutam. Pudera, está em causa a sua sobrevivência.
Podemos traçar um paralelo com a democracia. As sucessivas passagens de informação, convenientemente crismadas de "fugas", envolvendo processos em segredo de justiça, também têm causado danos irreparáveis ao edifício democrático que só podem aproveitar a quem não está nele interessado. Mais do que a um acto de espionagem, assemelha-se ao terrorismo. Se não for essa a motivação, é legítimo especular estarmos perante casos de corrupção em que, mediante pagamento, alguns elementos com acesso a informação privilegiada a fornecem a terceiros. O efeito final é o mesmo.
Se uma empresa detectasse este tipo de comportamento por parte de alguns elementos do seu quadro de pessoal, como procederia? Despedindo-os e processando-os. O respectivo director estaria, igualmente, em maus lençóis. Não é assim no sistema de justiça, em especial quando o PGR - o tal director - manifesta a sua impotência para salvaguardar o segredo de justiça e... não se demite. Já abriu um inquérito? É verdade, por exemplo, que no processo Face Oculta só quando a investigação passou para Lisboa tudo se soube? Já pediu assistência para analisar o perfil deontológico de quem ocupa os lugares de investigação?
A situação actual, em que os julgamentos são feitos na praça pública, mediados pelos meios de comunicação social, destrói a credibilidade da investigação judicial, põe sob suspeição os respectivos agentes e corrói os alicerces da democracia. No fundo, aproveita aos verdadeiros corruptos. Se nada for feito, poderá estar em causa a essência do sistema democrático.