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O constitucionalista Jorge Miranda, um senhor jurássico que se acha dono da Constituição da República que ajudou a escrever há 36 anos, entende que a diminuição no número de escalões no IRS será anticonstitucional. Segundo o douto senhor, "tem que haver uma adequação do imposto pessoal ao rendimento, quem tem um rendimento mais baixo deve pagar menos, quem tem rendimento mais alto deve pagar mais. Defende, por isso, que "seria necessário um aumento dos escalões, diminuindo a carga sobre os mais carenciados e aumentando sobre os que têm rendimentos mais elevados". Não contesto, obviamente, o direito de Jorge Miranda ter essa opinião. Acho mesmo que ele tem o direito que lhe assiste a ele, como a todos nós, de se considerar um especialista em matéria tributária. Poderia mesmo defender que quem ganha 100 mil euros pagasse 10%, quem ganhasse 200 mil euros pagasse 20% e por aí fora, até que quem ganhasse um milhão de euros pagasse 100%. Poderia também defender que quem ganhasse mais do que um milhão pagasse mais de 100%. Para um ilustre jurista, a teoria económica pouco importa. O que me parece extraordinário é que mais uma vez se invoque a Constituição para tentar interferir nas opções da governação, sejam elas boas ou péssimas. O que já não há pachorra, sinceramente, é para os zeladores de uma Constituição programática, que se acham donos do regime, de um regime que deu no que deu. Sobre as eternas questões da equidade, gostaria que Jorge Miranda pensasse, um dia, se todos os portugueses com menos de 50 anos e que não contribuíram para a eleição da Assembleia Constituinte têm de aceitar esse texto, que não foi livremente escolhido, na medida em que foi condicionado pelo MFA, ou se acha, porventura, que teremos de suspender a democracia para definir uma nova Constituição para o país, que nos livre dessas peias. Pior do que a Constituição são estes fundamentalistas, que cuidam de a defender de forma literal por razões de zelo ideológico. Não, não gosto deste Orçamento do Estado, nem das leis tributárias do país. Entendo, ainda assim, que a Assembleia da República tem legitimidade para aprovar ou chumbar, de acordo com o mandato que tem do povo. Uma questão de democracia......
Uma outra figura do passado, o amnistiado Otelo Saraiva de Carvalho veio, mais uma vez, fazer um apelo revolucionário. Quer uma revolução sangrenta, pelos vistos. Desta vez, já não se contenta com atos terroristas e cobardes, quer que sejam os militares na rua para derrubarem o Governo. Naturalmente, na Constituição da República do senhor Miranda, o apelo violento por parte de um outro senhor que recebeu uma amnistia a título pessoal, que vive à nossa custa como oficial na reserva, não fere nenhum preceito legal, pelo que se sabe, tanto mais que a última vez que o fez, e não foi há muito tempo, não teve qualquer consequência. No fundo, o senhor Otelo vive na total impunidade, com o seu estatuto de revolucionário muito bem pago. Sendo certo que o regime apresenta muitas fissuras, e precisa de ser regenerado, espero que não caia através de um golpe de Estado dos militares. Foi assim, e por essa forma, que caíram a monarquia institucional, a primeira República, o Estado Novo e o gonçalvismo. Acredito que o que temos ainda se pode regenerar ou reinventar, sei que a sociedade civil não se sente atraída pelo putchismo e tenho a certeza que os militares de hoje têm, pelo senhor Otelo, o mesmo respeito que eu tenho. Não concordo, ainda assim, com quem trata este senhor como um Dom Quixote inimputável porque todos sabemos bem do que ele é capaz. A democracia e a liberdade, que todos queremos, exigem que não se pratiquem atos violentos, que não haja perdão para aqueles que praticam ou apelam à violência. O senhor Otelo só será, por isso, inimputável enquanto confundirmos tolerância com impunidade.
