Egito - os militares e a democracia
O primeiro presidente legitimado por eleições livres no Egito, Mohamed Morsi, foi deposto pelos militares há seis semanas e está preso em lugar desconhecido, sem direito a contactar um advogado, sob a acusação - forjada já depois de o terem prendido - de se evadir da prisão onde fora encarcerado por causa de participar em manifestações contra o regime autocrático de Hosni Mubarak, em fevereiro de 2011. Mais tarde, novas acusações iriam ser acrescentadas.
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Em fevereiro de 2011, Hosni Mubarak, o militar que governou o Egito durante 30 anos, renunciava à presidência sob a pressão das manifestações populares que ocuparam a Praça Tahrir, no centro da cidade do Cairo, depois de as forças armadas que o tinham sustentado no poder até à data o terem abandonado. Sob a acusação de "cumplicidade" na repressão sangrenta das manifestações contra o regime, iria ser preso pouco depois. Agora, porém, o tribunal determinou a libertação de Mubarak, por alegadamente ter excedido os prazos de prisão preventiva, e foi colocado pelo Governo em regime de prisão domiciliária.
E assim, no princípio de julho, dois anos e meio depois do início da "Primavera Árabe", consumava-se no Egito a reversão do processo de transição democrática, com o regresso dos militares ao poder pela mão do general Abdel Fattah el-Sisi, chefe do Conselho Supremo das Forças Armadas, ainda nomeado pelo presidente deposto. Perante a repressão violenta dos apoiantes de Morsi nas manifestações de 14 de agosto, e temendo o seu previsível agravamento, o vice-presidente e prémio Nobel da Paz, El Baradei, inicialmente favorável ao "golpe militar", demitiu-se e enfrenta agora um processo-crime com julgamento marcado para meados de setembro, sob a acusação inédita de "violação da confiança nacional"... por ter resignado das suas funções!
Os piores receios de El Baradei seriam muito em breve confirmados pela execução a sangue frio de 36 presos políticos, milhares de mortos e feridos em manifestações por todo o país, a prisão de centenas de militantes, incluindo os mais altos dirigentes da "Irmandade Muçulmana" - o partido do presidente deposto, vencedor das primeiras eleições democráticas no Egito, certificadas pelos observadores internacionais, como "justas e livres". Entretanto, para facilitar o esmagamento dos protestos e desarticular os apoiantes do presidente derrubado, os militares decretaram a lei marcial e, não se comprometendo com novas eleições, anunciaram um referendo e uma nova Constituição. Uma atmosfera asfixiante de medo e intimidação condiciona a denúncia das brutalidades das autoridades militares, a liberdade dos meios de Comunicação Social e as manifestações populares no Egito.
Às tímidas sanções anunciadas por norte-americanos e europeus, respondeu a Arábia Saudita com a promessa de um empréstimo extraordinário às autoridades militares, enquanto a Turquia acusa Israel de interferência nos assuntos internos do Egito. A política internacional, a liberdade e a democracia continuam reféns da "guerra ao terrorismo" declarada pelo ex-presidente George W. Bush já lá vão 12 anos, apesar do desmascaramento das provas que apresentou para manipular o Conselho de Segurança das Nações Unidas e a opinião pública internacional, como tentativa de justificar a invasão do Iraque e a violação do direito internacional. O massacre do povo sírio continua, ilustrado quotidianamente pela exibição dos cadáveres de incontáveis vítimas civis. A criação de mais de um milhar de novos colonatos nos territórios ocupados assinala a "boa vontade" do Governo israelita no reatar das negociações de paz com os palestinianos, interrompidas há cinco anos. A intensificação da utilização de "drones" para executar assassínios seletivos a par da violação sistemática das comunicações privadas continuam a progredir à sombra do "Patriot Act", pela mão do mesmo presidente que garantira solenemente no Cairo, a 4 de junho de 2009, um genuíno compromisso com a paz... e um novo começo!