Na semana passada o JN fazia eco de elementos recentemente publicados pelo Instituto Nacional de Estatística referentes aos últimos dados sobre a emigração portuguesa. Os números divulgados são impressionantes. Mais, são chocantes. "Todos os dias há 333 portugueses a emigrar", titulava o jornal.
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Os elementos agora conhecidos relativos ao ano de 2012, mostram que, só neste ano, 121 348 pessoas deixaram Portugal à procura da oportunidade de emprego que aqui não encontram. Excluídos de uma vida digna por uma política onde o humanismo e a sensibilidade social estão completamente arredados e onde o crescimento económico cedeu ao controlo contabilístico, estes portugueses são vítimas seletivas deste Governo de questores.
O que arrepia, ao analisar a série longa de dados do INE, é a constatação de que este número representa um novo recorde. Recorde negro, diga-se. Recuando no tempo, verifica-se que só no ano longínquo de 1966 estivemos tão perto deste número, com 120 239 concidadãos a terem de sair do país. Quarenta e sete anos depois e largos milhares de milhões gastos na formação e na preparação dos jovens para o futuro, eis-nos de volta a uma situação em que o país não consegue proporcionar um emprego a muitos dos seus cidadãos.
Tenho bem marcado na memória o tempo dessa onda de emigração para a Europa dos finais dos anos 60, uma das consequências da política do "orgulhosamente sós" da ditadura. A falta de empregos qualificados faziam permanecer numa agricultura de miséria como estando empregados, centenas de milhares de portugueses cuja aspiração era, tão-só, sobreviver. Sem acordos entre estados que os protegessem, iam "a salto" procurar nesses países em crescimento uma vida com a dignidade que o seu país lhes negava. Outros, em muito menor número, emigravam para se furtarem ao cumprimento de um serviço militar que os levaria inevitavelmente a combater numa guerra colonial que repudiavam, participando do exterior em movimentos de contestação ao regime ditatorial.
E foi exatamente um velho amigo que se encontrava em França nestas circunstâncias que me levou a visitar, nos arredores de Paris, os bairros de lata onde viviam muitos dos nossos compatriotas - os bidonville - e onde ele, com formação universitária, dava apoio às famílias para a sua legalização no país. Fiquei perturbado ao ver as condições a que se sujeitavam aqueles portugueses e os sacrifícios por que estavam a passar por terem sonhado com uma vida melhor.
Alguns anos depois voltei a Paris e pude rever, pelas mãos desse mesmo amigo, algumas das famílias que antes visitara nos bairros de lata. Estavam muito dignamente alojados em habitações construídas pelo Estado francês, através de um programa de habitação social (HLM ) que viria a servir de modelo no Portugal de Abril, possuíam vistos de trabalho e tinham emprego digno. Tinha valido a pena.
Depois foi o 25 de Abril, a independência das colónias e a capacidade do país para integrar centenas de milhares de cidadãos que, de um dia para outro, chegaram a Portugal; foi a aposta no desenvolvimento, nas infraestruturas, na educação, na saúde. E, a seguir, veio a integração europeia, a livre circulação de pessoas e bens, a moeda única. Crescemos e deixamos para trás o país retrógrado e isolado que éramos. Nunca, nem por um momento sequer, pensei - e como eu, creio, a maioria dos portugueses - que alguma vez mais seria possível assistir a uma nova vaga gigante de compatriotas a terem de abandonar o seu país e a sua família por não conseguirem aqui um emprego digno. Jamais seria capaz de imaginar um primeiro-ministro deste Portugal democrático a aconselhar os seus concidadãos a deixarem o país para terem uma vida melhor, por liderar um Governo que não consegue ter políticas que criem emprego e nos façam voltar a crescer.
Mas aconteceu. Antes eram os indiferenciados e sem grande instrução que partiam. Hoje são maioritariamente os quadros bem preparados, licenciados e até doutorados que procuram outros mundos. Partem noutras condições, é certo, mas antes como agora, as suas remessas financeiras vêm desempenhar a mesma função de socorro a um país de rumo incerto.
Quarenta e sete anos depois do pico migratório, a bela e nostálgica canção de Manuel Freire volta, infelizmente, a ser atual: Ei-los que partem / Novos e velhos / Buscando a sorte / Noutras paragens / Noutras aragens / Entre outros povos / Ei-los que partem / Velhos e Novos.
Triste sina a nossa!