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As vozes e os sons de campanha que se vão ouvindo por estes dias em fundo na televisão, sempre em tom de gritaria deturpada por colunas preguiçosas e com evidente falta de treino, lembram-me os altifalantes em cone colados aos tejadilhos daqueles carros a cair aos bocados, que percorriam as minhas ruas com bandeiras mal penduradas. Eram os anos 80, eu ainda muito pequeno, e lembro--me bem de ficar muito intrigado com a capacidade daquelas pessoas, que simultaneamente conduziam, gritavam slogans e passavam cassetes, insistentemente, durante horas. Eram tempos mais pobres e ingénuos, e de maior encanto com as eleições. Havia mais palavras gravadas nas paredes, que me pareciam, com aquela idade, verdades absolutas ou apelos impossíveis de recusar, ainda que na realidade não passassem de promessas ocas sobre "amanhãs que cantam".
Fomos ficando todos mais cínicos com a política, embora tudo tenha ido melhorando em Portugal. A não ser, ao que parece, a qualidade das campanhas eleitorais, que continuam tão roufenhas como sempre e mais ardilosas do que nunca, a fazerem lembrar aquela personagem do Kerouac, que assegurava, sabendo que não era verdade, sempre o mesmo: "Mañana, tudo vai ficar bem amanhã".