Barack Obama anunciou, sem ou contra o Congresso, um plano de legalização de até cinco milhões de imigrantes ilegais que se encontram, alguns desde há bastantes anos, a viver em território dos Estados Unidos. Esta decisão é, seguramente, uma das maiores pedradas no charco desde que assumiu a Presidência dos Estados Unidos.
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A verdade é que muitos, fossem democratas (mais) ou republicanos (menos) estavam de acordo num ponto: o sistema em vigor não funciona e alguns antecipam até o seu colapso próximo. Para se ter uma noção, calcula-se que estejam atualmente a trabalhar e a viver nos Estados Unidos cerca de onze milhões de imigrantes ilegais, os "sem-papéis", quando em 1990 não eram mais de três. Que não "vivem" em situação de "normalidade", apenas vão vivendo, porque estão sempre na iminência de poderem ser interpelados e deportados dos Estados Unidos. Que, por esse motivo, vivem numa semiclandestinidade, ficando por isso mais permeáveis - para sobreviverem ou por outras razões - a serem carne para canhão de redes criminosas de todo o género. Que, finalmente, só recorrem a mecanismos de economia informal, não pagando impostos ainda que a tal estivessem dispostos.
Numa perspetiva de direitos humanos basta dizer, em defesa da necessidade de uma solução deste género, que uma família pode de repente colapsar por o pai, por exemplo, ser deportado, ainda que os seus filhos possam ter nacionalidade americana por já terem vindo a este mundo em solo norte-americano. No entanto, como era previsível, o anúncio de Obama incendiou a política norte-americana, colocando de um lado da trincheira dos democratas e do outro os republicanos.
Não se pode, porém, dizer que as deportações não ocorram em número impressionante ou que não haja vontade de as levar a cabo. Com efeito, os Estados Unidos deportaram quase 370 000 imigrantes ilegais em 2013 e 400 000 em 2012. É muita, muita gente. Com a agravante de que, atualmente, entram ilegalmente por ano nos Estados Unidos muitíssimos menores e crianças não acompanhados pelos pais, o que mais uma vez reforça a ideia de que esta é uma questão que já se situa num plano de humanidade.
Não deixa de ser curioso que o último presidente norte-americano a rasgar caminho nesta questão da imigração ilegal tenha sido Ronald Reagan, que por certo ninguém acusou ou acusará de ser um perigoso esquerdista. Fica a impressão, com efeito, de que na impossibilidade de enfrentar com soluções legislativas estruturais e estáveis a pressão da imigração vinda do Sul, os Estados Unidos estão de facto obrigados, ciclicamente, a medidas quase de exceção, armas de inclusão massiva e de efeito imediato...até ao estrangulamento seguinte.
Obama, desta feita, anunciou medidas que parecem de bom senso, mesmo porque com salvaguardas e limites significativos. Por um lado, o seu efeito está temporalmente circunscrito, uma vez os imigrantes "legalizados" apenas terão direito a um visto de trabalho de três anos. Além disso, só acederá a este novo regime quem viver nos Estados Unidos há cinco anos e que tenha um ou mais filhos nascidos nos Estados Unidos ou com cidadania norte-americana.
Em paralelo, promete-se tornar mais fácil a imigração legal, reforçar a segurança (isto é, a impermeabilidade) das fronteiras e centrar a deportação naqueles que sejam criminosos.
Em geral, aplaudo. No concreto, é de prever que Obama tenha desencadeado mais uma guerra sem quartel entre republicanos e democratas, confirmando-se, por mais este exemplo, como o sistema político norte-americano caminha a passos certos para graves becos sem saída.
Recorde-se que Obama perdeu de vez o controlo do congresso. E que, não tendo possibilidade de fazer passar uma lei sobre imigração, está no fio da navalha porque invoca poderes presidenciais...discutíveis. Os republicanos vão retaliar, é a única coisa certa que se sabe, só se desconhecendo como. Mas, vendo como alguns já defendem que não seja aprovado o orçamento, como outros falam em impeachment e como os moderados (os moderados!) garantem que não autorizarão a despesa que permitirá levar a cabo esta reforma, percebemos como a parada está alta. Para Obama, naturalmente. Mas também para os milhões que, nesta altura, devem estar gratos ao Señor Presidente.