Os títulos da imprensa francesa de ontem dizem-nos duas coisas: que o impacto das eleições presidenciais do próximo domingo ultrapassa o hexágono e que este escrutínio tem um desfecho ainda em aberto. E temerário. "Um perigo como jamais houve", titulava o "Libération". "Os riscos de um escrutínio incerto", alertava o diário "Le Monde". "Uma eleição de alto risco", afirmava em capa a revista "L"Obs".
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As sondagens justificam a preocupação: Emmanuel Macron reúne uma perspetiva de voto de 26 por cento; Marine Le Pen, em segundo lugar, soma 22 por cento; a seguir, Jean-Luc Mélenchon apresenta 16 por cento das intenções de voto. Neste quadro, começa a ser imprevisível quem serão os dois candidatos mais votados, sobretudo quem concorrerá contra o atual presidente, o mais bem posicionado até agora. Uma coisa é certa: será sempre um político de extremos partidários. E isso tem um enorme significado político. Indica que o atual inquilino do Eliseu não conseguiu colocar, com a devida força, a política francesa ao centro.
Marine Le Pen, "a feroz tranquila", como a classificava "L"Obs", posiciona-se para ganhar o Eliseu, fazendo passar agora uma imagem mais doce e um discurso menos radical. Porque quer separar águas de Éric Zemmour, o candidato surpresa que fala para uma elite saudosista de um tempo que julgáramos (apressadamente) ultrapassado. No entanto, Le Pen sabe que não pode ostracizar um eleitorado que vai, decerto, chamar a si em momento posterior. Reconquistando novo fôlego, Jean-Luc Mélenchon, o candidato da esquerda, também acredita que passará à votação de 24 de abril. "L"Express" escrevia ontem que esta será "a última batalha do velho leão", que repete agora a corrida feita em 2012 e em 2017, mas que hoje ganha outra força. Usando hologramas, Mélenchon tem multiplicado comícios por várias regiões, procurando uma proximidade que a tecnologia em tempos de pandemia ajudou a expandir de forma mais natural.
Ao alertarem para os riscos desta eleição, os média noticiosos têm chamado a atenção para os índices de abstenção. Que podem baralhar tudo. Tristan Haute, um politólogo da Universidade de Lille, lembrava na revista "L"Obs" que o dever de votar desapareceu. Agora, os cidadãos encaram esse ato cívico como um direito. Que podem não exercer. Na mesma publicação, Myriam Revault D"Allonnes, investigadora da École des Hautes Études, definia este nosso tempo como propício a uma "desdemocratização". Nem de propósito, a revista "The Economist" lembrava ontem que a Europa precisa de um poder moderador e de um chão para políticas liberais que posicionem governos mais ao centro. Vamos lá ver se Macron conseguirá assegurar isso...
*Prof. associada com agregação da UMinho