Na sequência do que vem escrevendo e divulgando, o grande filósofo basco Daniel Innerarity deu esta semana ao "El País" uma inspiradora entrevista que explica, com especial acuidade, porque não é possível assumir com entusiasmo, designadamente por nós portugueses, o exercício eleitoral que se avizinha.
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1. A política arrisca a tornar-se irrelevante. A descredibilização em que caiu pode fazer com que "as coisas se auto-organizem sem nenhuma intervenção racional e expressa dos seres humanos"; estão aí as taxas de abstenção previstas a confirmá-lo;
2. "A política actual", e, digo eu, os programas eleitorais, "funcionam numa lógica de reparação. Não numa lógica de intervenção ou, mesmo, de antecipação"; é o que vemos por aqui: quem mais promete reparar o que o anterior alegadamente estragou!
3. "A lógica da moda invadiu a lógica política e o que temos são produtos da temporada.". Claro! Como o corte a) ou b), o subsídio c) e assim por diante;
4. E isto aplica-se aos candidatos a governantes: "também os tempos da deceção política se aceleraram dramaticamente. Reduziu-se muitíssimo o tempo de que cada líder dispõe para não nos dececionar, para manter o carisma, para se esgotar como alternativa."
5. A consequência é que cada um delegue cada vez mais ciosamente a sua própria autoridade, substituindo a filiação ou a simpatia partidária pelo ativismo de intermediação (na escola, na igreja no sindicato) desde que este acrescente valor e assim se legitime.
6. Ou seja, "o poder horizontalizou-se, está cada vez mas repartido e nunca mais haverá um poder absoluto"; o quer dizer que dificilmente chegaremos a uma maioria absoluta outra vez e que temos de nos habituar e de valorizar a formar governos de coligação.
A solução, a pensar no século XXII, e como remata Innerarity, é tentar encontrar uma forma de participar na construção de um modelo alternativo em que "os grandes desafios financeiros, ambientais ou genéticos se ultrapassem com a participação do saber dos peritos, a legitimidade dos representantes políticos e a opinião das comunidades", construindo "uma racionalidade estratégica que não seja dogmática e que não choque com a evolução de uma sociedade que avança a uma velocidade tão elevada."