Decidi, por despacho de 20 de junho do corrente ano, marcar as eleições dos órgãos da Ordem dos Advogados para o dia 29 de novembro próximo e fixei o limite para apresentação das candidaturas até 30 de setembro passado. Decorrido este prazo, verificou-se que não fora apresentada qualquer lista para o Conselho de Deontologia da Madeira. Como o Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) diz, no seu artigo 13.0º, n.0º 2 que as eleições para os seus órgãos têm lugar sempre na mesma data, logo houve quem entendesse que todo o ato eleitoral deveria ser adiado. Deram-me essa informação e esse parecer por telefone, pelo que, de boa-fé, admiti a uma jornalista que as eleições pudessem ser adiadas. Quando, no dia seguinte, me debrucei sobre o assunto verifiquei que, na falta de candidaturas a um órgão, o EOA não obriga ao adiamento das eleições para os outros, pelo que decidi adiar apenas a eleição para o Conselho de Deontologia da Madeira, mantendo todas as outras para 29 de novembro.
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Nesse ínterim, alguns candidatos a bastonário proferiram declarações públicas sobre o pretenso adiamento, sem sequer se esclarecerem comigo sobre o que se passava. De entre eles, destacaram-se pelo seu oportunismo e alarvidade as afirmações do candidato Vasco Marques Correia (VMC), atual presidente do Conselho Distrital de Lisboa, para quem o pretenso adiamento era "a primeira de muitas manobras desesperadas de uma nomenclatura que se pretende perpetuar no poder". Convém, pois, conhecer o autor dessa torpeza para compreendermos o que se esconde atrás da pele de cordeiro que subitamente vestiu.
VMC notabilizou-se durante o meu primeiro mandato pelos atos de chicana que protagonizou nas célebres assembleias-gerais que sistematicamente rejeitavam os orçamentos e as contas da OA. Ele esteve sempre envolvido nas conspirações que tentavam destituir o bastonário democraticamente eleito, justamente porque eu não abdiquei de aplicar o programa de defesa da dignidade dos advogados portugueses com que fora eleito e que ameaçava os interesses de algumas empresas de advocacia lisboetas.
VMC quer trazer de volta a mesma nomenclatura que dominou a OA durante décadas e que promoveu a massificação da profissão (multiplicação, em poucos anos, do número de advogados por 5), apoiou a desjudicialização da justiça (veja-se a defesa que a OA fez, em 2003, das alterações à ação executiva) e usou, despudoradamente, o apoio judiciário para financiar a formação da OA. Tudo nele, enquanto advogado, tresanda a artificial. Nunca ninguém o viu a intervir como advogado nos tribunais portugueses, justamente porque ele é ave de outros voos. Ele é mais para assessoria de grandes negócios, para as arbitragens e para a obtenção, junto do poder político, de leis à medida dos interesses dos seus clientes do que para a obtenção leal de decisões justas nos tribunais.
VMC é um dos patrões da maior empresa de advocacia de Portugal, ocupando a oitava posição numa escala hierárquica de 44 sócios na qual o seu mentor, José Miguel Júdice, tem a terceira posição. Na sua empresa trabalham como proletários 114 advogados e 48 advogados estagiários remunerados com um salário muito inferior ao valor económico que produzem. Por isso, os Jaguares e Mercedes que VMC ostenta em Lisboa podem ser, em parte, o resultado da sua atividade empresarial, mas são sobretudo fruto da apropriação imoral que ele faz de uma parte significativa do produto do trabalho de outros advogados seus empregados na empresa de que ele é um dos patrões.
Uma vitória deste empresário da advocacia e da sua lista - de que fazem parte alguns dos mais destacados autores das selvajarias nas assembleias-gerais durante o meu primeiro mandato, como Carlos Férrer dos Santos (Coimbra), Carlos Almeida (Évora) e essa pérola da advocacia lisboeta Rita Garcia Pereira - significará que haverá mais proletarização na advocacia (a sua empresa continua a estender-se a várias cidades do país), mais desjudicialização da justiça (arbitragens, mediações, encerramentos de tribunais, etc.) e, sobretudo, mais e melhores negócios para empresários como ele. O que espanta é que ainda haja alguns advogados fora de Lisboa que se deixam seduzir pelas cantatas desses bufarinheiros.