O que eu não dava para ter em casa os painéis de S. Vicente de Fora! Sentir-me-ia um lorde se, ao jantar, desfrutasse daquela genial galeria de retratos dos membros do clero, nobreza e povo que protagonizaram a formidável empresa dos Descobrimentos.Infelizmente não tenho na sala uma parede com dimensão suficiente para acolher os seis painéis de Nuno Gonçalves. Por isso, vou-me regalando com o rio Douro e as pontes, vistas pelo Pessegueiro.
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À entrada de casa, gostava de substituir o quadro naïf do brasileiro Tambeiro, pela Praça Vermelha do Kandinski . No quarto trocava as serigrafias do Pomar e do Álvaro Lapa por um Vermeer (talvez A carta de amor) e o Parto da Viola do Amadeo. E, no quarto do rapaz, o Whaam!, do Liechtenstein, ficava a matar.
Não pensem que endoideci de vez e me passou pela cabeça roubar o Museu Nacional de Arte Antiga, a Galeria Tretyakov, o Rijksmuseum, a Gulbenkian e a Tate Modern.
Não. Este devaneio tem a ver com o arrependimento (sensação saudável, mas também triste e amarga) que sinto por, há coisa de 20 anos, não ter aproveitado uma venda de cópias perfeitas de grandes mestres da pintura, patente no Ipanema Park Hotel, para me tornar proprietário de uma imitação verdadeira (tamanho e moldura incluídos, etc.) de um quadro com o grande canal de Veneza pintado pelo Canaletto, que faz parte da coleção do Getty.
Apesar de apreciar o Miró, o Femmes et Oiseaux (a mais valiosa das 85 obras que eram do BPN) não entra na minha lista de compras de imitações de obras-primas.
Peço desculpa por voltar a um tema a que já quase ninguém liga. O Congresso do PSD e as Jornadas Parlamentares do PS ignoraram olimpicamente o assunto. A JSD não sugeriu referendar a venda da coleção. E o Constitucional não foi chamado a pronunciar-se.
Mas gostaria de alinhar três argumentos em defesa da minha sugestão de transformar a coleção Miró num monumento que perpetue a memória da colossal fraude financeira do BPN.
1. Os pareceres dos dois especialistas (os diretores dos museus do Chiado e Berardo) ouvidos pelo Governo são desfavoráveis à venda;
2. Os 36 milhões de euros da base de licitação não chegam sequer para encher a cova de um dente do prejuízo, são apenas 0,8% dos 4,5 mil milhões que o BPN deve à Caixa;
3. Seria uma perfeita estupidez vender uma coleção valiosa e nunca exposta em Portugal, desperdiçando a valorização induzida pela gigantesca e gratuita campanha internacional de publicidade de que beneficiou.
Por fim, alerto para mais uma manifestação de centralismo endémico surgida a propósito do episódio Miró. José António Saraiva propõe que a coleção dê vida e sentido ao Pavilhão de Portugal. O "Público" defende que ela vá para o Museu do Chiado, que está a ser ampliado.
Eles querem continuar a comer tudo e a não deixar nada. Com os museus dos Coches, Arte Antiga, Chiado, Berardo e Gulbenkian, Lisboa já é mais que atrativa nesta área. E que tal levarem o Museu Miró para o Algarve, ajudando a suprir a deficiente oferta cultural de um destino turístico excelente em sol, praia e golfe, mas onde não há nada para fazer quando chove?