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Haverá análises para todos os gostos sobre quais os atores que ganharam ou perderam na voragem dos avanços e recuos políticos que marcaram a crise institucional e também não faltarão as projeções para o futuro.
Umas e outras aparentarão ser tão mais válidas quanto mais assentes em verdades televisivas: eu vi!...
Uma delas é a de que o primeiro- ministro sai da crise com o essencial das posições com que entrou nela, ou seja, mantém a ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque que Paulo Portas não queria e amarra o parceiro de coligação a um novo, mais amplo e mais envolvente compromisso político.
Inversamente, haverá quem patrocine a ideia de que a nova e maior corresponsabilização política era justamente o que Paulo Portas reclamava em vão, pelo que também ele pode reclamar ganhos de causa evidentes: sobe na hierarquia do Governo, acrescenta CDS-PP às decisões do Conselho de Ministros e em ministérios considerados importantes e mantém o partido unido e na mesma posição de fiel da balança política, designadamente no Parlamento, onde continua a poder decidir da eficácia efetiva de qualquer moção de censura ou de confiança.
E há uma forma ainda mais liminar de ver as coisas: afinal, ambos terão ganho na exata medida em que não deixariam de ser punidos eleitoralmente.
Não digo que alguma destas versões sobre a crise seja descartável, mas estou convicto de que qualquer análise circunscrita aos jogos que decorreram nos nossos palácios - e ainda decorrerão até se conhecer a posição do presidente da República - deixará de fora muito do que se tornou essencial na vida política portuguesa e que não depende de nós, portugueses.
Refiro-me naturalmente à questão de saber quem, afinal, manda aqui.
Creio que a resposta a esta pergunta foi dada em tempo meteórico e com o sentido de oportunidade e urgência típico de quem tem de assinar o cheque: as autoridades europeias que, à míngua de um governo eleito, fazem a vez. Simplesmente porque deles dependem os cheques da ajuda financeira, da qual infelizmente dependemos.
Essas autoridades têm rostos e vozes, só a intempestiva demissão de Paulo Portas - intempestiva, sabemo-lo agora, uma vez que o próprio lhe retirou a alta definição de irrevogável com que a assinara - fez com que fossem passados para trás no palco da crise. Mas não, eles estão lá para nos recordar que também mandam aqui, pelo menos enquanto não recuperarmos toda a nossa soberania. Dois desses rostos são evidentemente o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, e o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, que apoiaram publicamente Maria Luís Albuquerque mal foi nomeada.