O episódio em torno do currículo do agora ex-secretário-geral do PSD é um sinal, mais um, da decadência dos valores morais na vida política. Que Feliciano Duarte se tenha prestado à falta de vergonha de ostentar um estatuto que nunca teve é algo que pode benevolamente ser remetido para o campo da esperteza saloia. Já o quadro de miséria ética que desvaloriza práticas do género só contribui para que a opinião que os cidadãos têm sobre os políticos se degrade cada vez mais.
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A soberba que rodeia os profissionais da política, capa protetora de percursos e de educações deficitárias, é talvez das mais antigas técnicas de manutenção do poder, do emprego e da influência. Há quem lhe chame instinto de sobrevivência. Mas os estragos provocados pelo ridículo a que a classe se presta acabam num dano bem mais profundo. Aliás, no caso presente, o desplante das explicações prestadas consegue ser quase pior do que os factos em si. Também por isso, as diversas histórias e episódios em torno de Feliciano não são suficientes para espantar o português comum. Não só as pessoas estão habituadas a estes pequenos golpes, como, generalizando, entendem que os políticos são todos iguais. Da esquerda à direita. E mesmo quando se dizem diferentes.
Não é, longe disso, um exclusivo do PSD. As pequenas desgraças de uma (suposta) elite dirigente, fraca com os fortes e forte com os fracos, resultam na promoção indiscriminada a lugares de relevo da indecência moral e da indigência ética. Nos partidos, nos governos, nas câmaras, no Estado em geral.
Não alinho no populismo moralista desenfreado nem me revejo nas teses antissistema, que geralmente conduzem a soluções pouco democráticas. A consciência da fraca qualidade média da classe política e dirigente obriga a um grande esforço de recuperação da exigência e da credibilidade perdidas. Não será seguramente a justiça (nem os seus inúmeros inquéritos "políticos"), ou a economia (nem as "vacas magras") a refundar o sistema. Não serão sequer os eleitores, os mais de 45 por cento de abstenção, os sindicatos ou os movimentos cívicos - com mais ou menos folclore à mistura -, a requalificar a política.
A dignificação e a mudança passam pelos partidos. Ou estes são capazes de se dar ao respeito - e na medida da profundidade desse "aggiornamento", podem e merecem voltar a ser respeitados -, ou a erosão e o descrédito serão, como em França ou em Itália, fatais. Não é com "banhos de ética". Será, a ser, com algo bem mais substancial e duradouro. Esperemos que seja a tempo.
* EMPRESÁRIO E PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO PORTO