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Os economistas são uma tribo peculiar habituada a discordar, entre si, em quase tudo. Quando se vai além da discussão mediatizada, verifica-se que não é bem assim. A precariedade das previsões económicas é, por exemplo, um ponto em que quase todos coincidem. Tanto assim que, sobre o tema, se construíram uma série de "boutades". Uma das mais conhecidas sublinha que fazer previsões em economia é muito difícil, sobretudo quando se trata de prever o futuro. Parece um contra-senso que não é, porém, específico da economia. Há uns anos, numa crónica na "Visão", Lobo Antunes citava Orwell para quem o passado seria a coisa mais imprevisível do Mundo: não pára de se transformar. Tal como, quando havia União Soviética, se dizia que lá o futuro era certo, o passado é que passava a vida a mudar (tantas as vezes a história era reescrita, ao sabor das conveniências, como ainda agora Putin, fazendo jus ao seu passado de chefe do KGB, ensaiou).
Depois, há sugestões mais prosaicas. "Quando fizeres previsões, faz muitas: aumentas a probabilidade de acertar em alguma" ou "tenta prever o futuro longínquo: quando chegar, já ninguém se lembrará do que havias antecipado". Depois, há aqueles, mais espertos, que prevêem sempre a mesma coisa. Estão quase sempre errados. Como a economia é um pouco como o tempo, tem ciclos, há-de haver um momento em que estarão certos, tal como um relógio parado está, duas vezes ao dia. Como com o relógio, também essas previsões são completamente inúteis - mas podem dar fama.
Por estas e por outras, a apresentação anual do Orçamento presta-se a um exercício de "tiro aos patos" já que, por força da função, quem governa é obrigado a revelar, em detalhe, o que pensa irá acontecer no futuro próximo. É certo que, quando todos os outros divergem de nós, a prudência e a modéstia aconselham a que talvez seja de lhes dar algum crédito, sob pena de nos colocarmos na posição do automobilista que acha que todos os outros é que vão em contramão.
Mesmo respaldado pela troika, as previsões macroeconómicas do Governo não foram muito acertadas. Valeu-lhes Paulo Núncio, ou melhor, todos os que pagam impostos, a quem o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tem conseguido encontrar forma de extorquir o suficiente para que a execução orçamental esteja certa, mesmo quando tudo o resto está errado. Quando tanto se fala na necessidade de um amplo consenso político, Paulo Núncio talvez devesse ser considerado património do Estado.
Longe de mim querer desvalorizar o Orçamento. No entanto, a discussão em curso é um pouco como a "economia da subida e descida": a bolsa subiu, o euro caiu, o desemprego estabilizou e por aí em diante. Sem um pano de fundo que lhe dê sentido é a isso que se reconduz o exercício e a discussão: não se percebe de onde vimos e, menos ainda, para onde vamos. Vamos indo, apenas. Como se uma força exterior puxasse todos os cordelinhos ou houvesse uma fé inaudita em que um milagre acontecerá. É verdade que, pelo buraco em que nos metemos e pelas regras que nos impõem, a margem de manobra é diminuta e não se vê como, se nada mudar, o nosso crescimento poderá atingir um patamar decente. Como Wolfgang Munchau escreveu no "Financial Times", esta Europa parece não ser capaz de sair de um estado de estagflação. Como se isso não bastasse, o perigo está em a média esconder casos muito diferentes que, se nada mudar, acabarão por pôr em xeque a subsistência da União Europeia tal como a conhecemos. Entre nós, esses cenários europeus estão fora das discussões. Como estão as escolhas que nos poderiam permitir ganhar alguma margem de manobra internamente. Talvez os partidos estejam à espera das eleições para colocarem esses temas na ordem do dia. Cavaco Silva está certo nos assuntos prioritários, mas errado na sua decisão de não antecipar as eleições: o tempo urge mais do que lhe pode parecer. Parafraseando Vasco Pulido Valente, para lá do sofrimento pessoal, as pessoas sentem que lhes roubaram seis ou sete anos da vida que tinham imaginado para si. Aspiram recuperar o tempo perdido. Acham que Podemos......