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Os tascos apoderaram-se das redes sociais como tamagotchis dos recreios escolares nos anos 2000. A cada scroll no telemóvel somos confrontados com vídeos de restaurantes a exalar tradição portuguesa de norte a sul, e, em alguns deles, a estrela nem sequer é a comida, é o espírito atascado de cada estabelecimento. A Internet não se cansa de procurar os melhores - os mais autênticos, os mais honestos, os mais carismáticos, os que têm as paredes forradas a azulejos e calendários do F. C. Porto dos anos 80 junto às imagens de santos padroeiros. Uma orgulhosa ode à toalha branca de papel, à travessa de alumínio com pataniscas, à malga de vinho carrascão que pinta os dentes e ao cheirinho no café para confortar a sobremesa no estômago. Um repasto que só finda quando a conta chega à mesa ou ao balcão de inox rabiscada num papel. Nada contra, tudo a favor.
A moda pegou de tal forma que até criadores de conteúdo que divulgavam restaurantes xpto das grandes cidades passaram a evangelizar os seguidores com idas a tabernas em zonas mais interiores e rurais do país, como Bragança e Freixo de Espada à Cinta. E bem! É uma forma de ajudar o comércio brigantino e freixiense, até porque ficámos a saber na semana passada que pagar 2300 euros mensais para arrendar uma casa é "uma fortuna" para quem aí vive e trabalha - o que explica que as "rendas moderadas" vão até esse valor, já que no resto do país o mesmo dinheiro dá para pagar três casas e ainda comer bacalhau com azeite todos os dias.
Voltando aos tascos: se o debate sobre qual a melhor francesinha já inflamava amizades e desfazia laços familiares, a tensão agiganta-se na hora de escolher as melhores moelas, os melhores rojões e a melhor sande de presunto. E se for para esmiuçar o conceito de sande - a francesinha é uma sande? e um hambúrguer é uma sande? -, então o melhor mesmo é fechar o tasco porque a conversa vai dar molho. E não pode ser do doce, porque senão não é o tradicional, há quem diga.
Fascinante e refrescante é o que acho deste fenómeno. Em tempos tão globalizadores, em que cafés modernos servem os mesmos menus tanto em Lisboa como em Madrid ou Berlim, é bom lembrar que há mais do que tostas de abacate, ovos escalfados e panquecas de aveia no Mundo. Mas encontro um problema nesta moda dos tascos: não esperava que a Assembleia da República, casa de respeito pelos valores democráticos, popular por aliar tradição e evolução, se transformasse num.