Esta semana, abriram-se sorrisos nos rostos de Passos Coelho e Paulo Portas, com o sucesso desta nova emissão de dívida. Ao colocar mais 3000 milhões de euros à taxa de 5,1%, a desejada saída limpa do programa de resgate está mais à vista. Este ano, foram já colocados 6250 milhões de euros, que estão a engrossar a almofada que o Governo quer constituir para poder anunciar uma saída à irlandesa.
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Lidas as entrelinhas do que se disse e vistas as reações dos membros do Governo, é cada vez mais claro que a aposta será política e não técnica. A opção por um programa cautelar, que as opiniões mais sensatas entendem mais aconselhável por envolver um menor risco (como sugeriu o presidente da República ), parece cada vez mais longínqua, apesar das reiteradas afirmações dos líderes da coligação de que é prematuro definir já as condições de saída. Nas cabeças do primeiro-ministro e do seu vice, nota-se à vista desarmada, já só estão as próximas eleições legislativas. As europeias, essas, não contam para este campeonato.
Animados pelos sinais dados pelos resultados parcelares sobre o desempenho da economia que têm vindo a ser divulgados e por sondagens que não são uma catástrofe, Passos e Portas estão convencidos de que o pior já passou. E, vai daí, entraram no período de contagem decrescente para as legislativas, com o que tudo isto significa na ação e no discurso.
As eleições europeias que acontecerão a 25 de maio, oito dias depois da saída da troika, não parecem estar a preocupar Pedro Passos Coelho. Os portugueses sentem a Europa cada vez mais distante e até a culpam por muitos dos problemas que hoje os afetam. A enorme abstenção que tem caracterizado as últimas eleições para o Parlamento Europeu (em 2009, foi superior a 63%) arrisca-se a continuar. Interessante vai ser verificar até que ponto este sentimento poderá ceder à oportunidade que representam estas eleições para mostrar ao Governo o desacordo dos cidadãos com as suas políticas. É difícil imaginar que, nesta fase, funcionários públicos, reformados e pensionistas, pelo menos, se abstenham de demonstrar a sua indignação com as medidas que tão negativamente os afetaram. Veremos. Certo é que um resultado negativo será sempre tido como natural num momento em que as medidas de austeridade atingem o seu auge. E um resultado razoável será, apenas, uma boa indicação para as legislativas, valendo sobretudo pelos estragos que fará ao Partido Socialista.
Mas o que Passos Coelho e Paulo Portas mais desejam, para poder cantar vitória no momento da partida da troika, é a chamada saída limpa. E é para aí que o Governo está a fazer caminho. Senão, não se entenderia a necessidade da tal almofada financeira de até 20 mil milhões, nem a euforia com que foi saudado o sucesso desta colocação de dívida. Sucesso que, há que dizê-lo, foi muito relativo. Portugal vai ter de pagar um juro inferior ao já atingido noutras colocações, é certo, mas 64% superior ao que paga hoje a Irlanda. Os investidores que acorreram à dívida portuguesa concorrendo com um valor três vezes superior ao subscrito fizeram-no porque vão ser muito bem remunerados face às oportunidades de risco idêntico que se lhes apresentam.
Ora, o que está em causa com a saída limpa face a um programa cautelar é precisamente o risco (que o Governo quer minimizar colocando já dívida) e os seus custos. Com uma saída limpa versus o programa cautelar, Portugal terá previsivelmente de pagar por ano mais cerca de 360 milhões de euros em juros, com base na melhor taxa até agora conseguida. Mas para o primeiro-ministro e para o seu número dois, isto não conta face à vitória política que representará assumirem que o país regressou de novo aos mercados pela sua mão, a despeito da irresponsabilidade dos governos que os antecederam. E, sobretudo, será importante para poderem deixar sem discurso o principal partido da oposição, que reclama como única saída aceitável a saída limpa.
Henrique IV, que se tornou católico por conveniência, afirmou que Paris valia uma missa. Pelo caminho que as coisas levam, Pedro Passos Coelho dirá, por certo, que as próximas legislativas valem bem 360 milhões de euros por ano. Se os mercados não se portarem bem, haverá sempre um plano B. E então, funcionários públicos, reformados e pensionistas cá estarão, uma vez mais, para pagar a fatura.
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