Mais uma vez, o presidente da República falou em público sobre o Orçamento Geral do Estado (OGE). Depois do discurso de Viseu, em que apelou aos líderes partidários para porem de lado as armas, em Lamego, e por ocasião de uma parada militar, recorreu a um discurso inflamado, patriótico e eivado de dramatismo, para apelar à coesão e união de esforços.
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Como é evidente, o PR tem o direito de falar no tom que entende, e de escolher os temas das suas intervenções. É, de resto, facto consabido que tem uma predilecção por matérias de economia e de finanças e já ficou claro que não gosta de falar de outros assuntos, como se viu nesta semana, quando respondeu a Paulo Rangel que, com toda a razão, lhe lembrara que, sendo o PR garante das instituições democráticas tem na área da justiça uma competência específica.
Mas ainda assim, será que estes apelos à aprovação consensual do OGE não são contraditórios com o seu outro discurso, em que se referiu à insustentabilidade do país? Não será que essa insustentabilidade se irá agravar se, porventura, e por razões de conveniência política às quais não é alheio o tacticismo da protocandidatura de Cavaco, o PSD viabilizar um OGE que não contemple as medidas de rigor que são necessárias? O que sucederá se esse orçamento consensual não passar no crivo de Bruxelas, agora que os ministros das finanças da UE acabam de aprovar o novo sistema de coordenação orçamental que vai permitir ao Conselho Ecofin validar ou vetar uma orientação de política nacional a inscrever no orçamento antes de este ser sujeito à aprovação parlamentar?
Tudo isto surge numa altura em que a dívida pública portuguesa está, de novo, debaixo do escrutínio dos mercados, o que é prenúncio de uma nova tempestade. O encarecimento do juro da dívida pública prejudica o crescimento da economia e sugere que, a muito curto prazo, Portugal poderá encontrar dificuldades em se financiar no exterior. Ora, o Governo e o PSD divergem sobre a melhor forma de combater o défice, o que condiciona as grandes linhas do orçamento. Como se sabe, o PSD entende que é indispensável conter o crescimento da despesa primária, enquanto o Governo, a pretexto de não prejudicar os direitos adquiridos e o garantismo, quer equilibrar as contas através da receita fiscal. Ao contrário do que o PR afirma, não parece que essas diferenças sejam pequenas, ou facilmente negociáveis.
Conhecendo-se o pomo de discórdia, e sendo consensual que o risco da não aprovação do OGE é elevado, bom seria que o PR não se limitasse a propor a concórdia, mas esclarecesse os portugueses sobre qual o rumo que entende mais conveniente para evitar a insustentabilidade de que falou. E já agora, talvez também fosse de se pronunciar sobre o direito de veto do Ecofin, que o Governo português acatou, e que levanta questões de soberania nacional.
Cavaco sempre se achou providencial, indispensável e bastante para salvar a República. Entenderá, por isso, que a sua reeleição é um desígnio nacional, e condição necessária à sustentabilidade do país. Não se discute que a governabilidade é um factor muito importante para o país e também para o protocandidato. Mas, numa situação de emergência, a governabilidade não é um valor absoluto, e não resistirá às consequências de uma crise financeira que coloque Portugal numa situação de insolvência. E isso, como Cavaco Silva bem sabe, é algo que lhe pode baralhar as contas se, porventura, suceder ainda antes das eleições presidenciais.