Estávamos no já longínquo ano de 2002 e vivíamos a euforia de um Estado acabado de entrar na moeda única, com uma taxa de desemprego de 5% equivalente ao quase pleno emprego e com o país em crescimento económico. Éramos um bom exemplo de sucesso e essa situação atraía para Portugal uma corrente migratória constituída por pessoas dispostas a trabalhar nas tarefas que os portugueses rejeitavam. Esse tempo traz-me de volta algumas situações com nova atualidade e que aqui quero relembrar.
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- Num dia quente de Agosto, enquanto lia os jornais no jardim do hotel onde estava instalado no Algarve, um grupo de trabalhadores ocupava-se da manutenção daquele bem tratado espaço. Dois deles chamaram a minha atenção pela forma eficiente como trabalhavam e pela língua em que falavam, que não consegui identificar. Abordei-os. Eram ucranianos. Um deles era licenciado em engenharia eletrotécnica e o outro tinha uma licenciatura e um mestrado em engenharia mecânica. A esposa deste, com o curso superior de enfermagem, fazia limpeza num hotel das proximidades. Os filhos, tinham ficado na Ucrânia. Era preciso esse sacrifício para lhes proporcionar melhor qualidade de vida.
- Pouco antes de ter partido para férias, um casal amigo tinha-me confidenciado que há algum tempo procurava, sem sucesso, uma empregada para o seu serviço doméstico e que, finalmente, a tinha conseguido. Não uma portuguesa, mas uma jovem ucraniana licenciada em Medicina.
Dias antes, tinha lido um artigo em que se referia existirem à época, em situação legal no nosso país, cerca de 62.000 ucranianos. Deste universo, 40% possuíam um curso superior e mais 20% tinham um mestrado, um doutoramento ou uma pós-graduação. Mais tarde, fiquei a saber que a maioria ganhava, entre nós, de 360 a 600 euros, como trabalhadores indiferenciados.
Tive dificuldade em aceitar e perceber que um país que consegue qualificar os seus jovens em áreas tão importantes para o desenvolvimento não lograsse criar condições para os fixar. Mas levei tudo isto à conta do choque por que estariam a passar os países que tinham vivido em economia planificada e que passaram a viver em economia de mercado.
E senti-me orgulhoso por ter nascido e por viver num país que conseguiu criar condições para acolher e integrar pessoas tão bem preparadas, que legitimamente aspiram a uma vida melhor.
2. Passaram todos estes anos. A taxa de desemprego entre nós é, agora, de 16,5% e a recessão económica instalou-se. As situações que agora me chocam são, infelizmente, as mesmas, só que no nosso país.
- Na semana passada, estava na fila de um supermercado. Uma senhora à minha frente reconheceu a jovem que estava na caixa e manifestou surpresa por a ver ali. Não pude deixar de ouvir a conversa. Fiquei a saber que se licenciou em Biologia, fez um mestrado e prepara o doutoramento. Não conseguiu qualquer colocação compatível com a sua formação e os pais estão desempregados. Corajosamente, agarrou-se a um emprego precário para poder doutorar-se.
- Também por esta altura, um amigo muito próximo deslocou-se a Paris. Quando entrou num táxi, o motorista falou-lhe em português, o que não é nada estranho em França. No decorrer da conversa, o jovem disse ter uma licenciatura em Direito e uma pós-graduação, mas que não tinha conseguido, ao longo do último ano, qualquer emprego em Portugal. Emigrou.
- Na passada quinta-feira, a SIC fez reportagem com um jovem casal desempregado - ele arquiteto com mestrado e ela com o curso de Técnica de Turismo. Enviaram currículos para tudo quanto é sítio. Nada. Estão a vender garrafas de água aos automobilistas, num cruzamento da cidade de Lisboa.
Nos anos sessenta, à míngua de empregos em Portugal, centenas de milhares de portugueses, corajosamente, emigraram à procura de melhores dias. Tendo a grossa maioria apenas a instrução primária, fizeram um pouco de tudo, mas integraram-se nos países de acolhimento.
Em 2012, segundo dados da Secretaria de Estado das Comunidades, terão emigrado cerca de 100 mil residentes em Portugal. Apesar de muito mais instruídos, partiram para, 50 anos depois, se sujeitarem de novo a fazer um pouco de tudo. Depois de um enorme esforço para qualificar os nossos jovens, é deprimente constatarmos que também nós não conseguimos criar, hoje, condições para os fixar.
Triste sina! E é esta gente que nos governa que vem dizer que já se consegue ver a luz no fundo do túnel. Só pode ser ilusão de ótica.