Há alguns dias, Paulo Portas anunciou investimentos que totalizavam cerca de 185 milhões de euros. Abrangendo vários sectores, prevê-se que venham a criar 400 postos de trabalho. Em si uma boa notícia, justifica reflexão. Oitocentos mil, talvez mais, se tivermos em conta quem emigra e quem desiste de procurar trabalho, é a dimensão do desemprego, o único tema que recolhe unanimidade: a pior chaga que afecta o país! Façamos umas contas.
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Admitamos que apostamos no novo investimento como via para reduzir o desemprego. Se os investimentos apresentados fossem exemplo, para gerar 100 mil postos de trabalho seriam necessários novos investimentos de cerca de 46 mil milhões de euros. Um número colossal. E continuariam a faltar muitos milhares de empregos.
É óbvio que aqueles investimentos terão um efeito multiplicador: haverá outros empregos que decorrerão do impacto noutras actividades, sejam as fornecedoras das indústrias em causa, sejam todas as que beneficiam do aumento de procura por haver mais pessoas a trabalhar. Se cada posto de trabalho criado directamente gerar um outro, continuaríamos a falar de números muito altos que dão a ideia do desafio que temos pela frente. Vai ser preciso incutir confiança nos investidores, nacionais e estrangeiros. Seria estultícia admitir que tais investimentos se fariam para responder a um crescimento da procura interna. Vamos ter de ter sorte (isto é, que a conjuntura internacional acompanhe as nossas necessidades) e capacidade de captar investidores, o que implica "vender" melhor as nossas características distintivas e garantir a estabilidade das regras e condições de base.
Aqueles números merecem uma outra observação: os postos de trabalho estão cada vez mais caros. A evolução tecnológica tem conduzido a que os processos produtivos se tornem cada vez mais intensivos em capital, exigindo mais investimento por cada emprego criado. E não só! Esses empregos são, em média, mais exigentes em habilitações e competências. Como consequência, torna-se cada vez mais difícil para muitos desempregados encontrar uma colocação. O Banco de Portugal tem vindo a estudar os requisitos das novas ocupações, confrontando-as com as aptidões dos desempregados. A conclusão arrepia: estima-se que o desemprego estrutural estará, hoje, em Portugal, acima dos 10% - muitas pessoas dificilmente serão requalificáveis para ocupações mais exigentes. Se nada for feito, estarão condenadas ao desemprego com todo o cortejo de consequências que daí advém.
A crise, a troika, a governação escancararam a porta a esta realidade que, qual doença crónica, lenta, mas inexorável, nos corroía. Enfrentá-la é o grande desafio. As soluções não decorrem, mecanicamente, da nossa capacidade de gerar ou atrair novos investimentos ou, sequer, de crescer por mais que facilitem as contas e desanuviem o ambiente. Há constatações muito duras. Só é possível manter certas actividades, em que pessoas com aquele perfil de capacidades encontra(va)m ocupação, com salários muito baixos. Sem dó nem piedade, os mercados ditam a lei. Somos nós (e não só os outros!), por não querermos pagar mais, que arruinamos uma parte da nossa agricultura ou da nossa indústria. Para subir o rendimento ou pagar mais a quem trabalha nesses ofícios, havemos de aceitar que se desagrave a carga fiscal dos trabalhadores ou de quem os emprega e estar disponível para, se necessário, suportarmos tal custo. Não há almoços grátis! Talvez alguns sejam, ainda, requalificáveis.
Analise-se, com minúcia, o que fizeram e sabem fazer, algo incompatível com programas massificados. Demora tempo e custa dinheiro. A dignidade humana correlata com o trabalho, justifica-o. Discutam-se as alternativas e o custo social das políticas para todos aqueles a quem não se augurar hipótese de regresso à vida activa pela via do mercado. Reformam-se antecipadamente? Fomentam-se ocupações de proximidade que melhorem a envolvente e a qualidade de vida? Se a dimensão económica e humana do desemprego nos constrange, havemos de estar dispostos a suportar alguns custos para o minorar. O desemprego é, ou não, uma chaga?
O autor escreve segundo a antiga ortografia