Numa semana marcada pelo braço de ferro entre o novo Governo helénico e os parceiros do Eurogrupo, qualquer referência ao mérito ou demérito das partes envolvidas é de imediato amplificada. Que gregos, por um lado, e alemães, por outro, tenham inicialmente colocado a fasquia no ponto que consideravam melhor servir os seus interesses, é de todo compreensível. Mas o que não se esperava mesmo é que o presidente da Comissão Europeia viesse, de certa forma, assumir o papel de polícia bom e confessar que a troika havia destratado a dignidade dos países resgatados. Justamente um dos mais recorrentes lamentos da Grécia.
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Não ficou claro qual o conceito de dignidade subjacente às afirmações de Juncker. Pode ser que se refira à qualidade da interlocução, que colocava frente a frente altos funcionários da troika e ministros de governos eleitos. Ou ao espetáculo das visitas dos credores aos países devedores, assumindo uma postura implacável e autoritária. Ou ainda aos efeitos da austeridade, gerando ondas de pobreza, esmagando a qualidade de vida das pessoas e, mesmo na perspetiva financeira, aumentando a dívida soberana, como aconteceu em Portugal.
Seja o que for que estava na mente de Jean-Claude Juncker, a verdade é que não é de fácil compreensão o conteúdo e, sobretudo, o "timing" das suas afirmações. Pode ter ajudado a Grécia. Mas deixa os alemães furiosos e o Governo português desorientado.
Marques Guedes, na conferência de Imprensa após o Conselho de Ministros desta semana, considerou a declaração do presidente da Comissão Europeia "manifestamente infeliz". Pedro Passos Coelho, no debate quinzenal no Parlamento, defendeu que, durante o programa de ajustamento, nunca a dignidade do país e dos portugueses esteve em causa. Não se esperava outra coisa.
Mas eis que o CDS, que também é Governo, chama a si, através de Nuno Magalhães, a paternidade da ideia de que a dignidade lusa foi maltratada pela troika, associando-se a Juncker na parelha de polícias bons.
Neste caldo de contradições, o ministro Rui Machete esteve simplesmente igual a si próprio. Pois se é como diz o chefe da Comissão, então a troika deve reparações a Portugal. Todo um mar de oportunidades, numa só frase. Passos Coelho estará, seguramente, com os nervos em franja.
No final do dia, o que os europeus gostavam mesmo de saber é se a afirmação do presidente da Comissão Europeia tem um significado político ou se não passou de uma "boca de café". É que os efeitos são bem diversos num e noutro caso. Em que ficamos?