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O Boletim de Verão do Banco de Portugal (BdP), conhecido esta semana, mereceu comentários díspares de duas das maiores autoridades portugueses em matéria económica e financeira. Teixeira dos Santos, o ministro que agora acumula as pastas, agarrou-se ao tom menos negro do Boletim para dizer que "a crise já bateu no fundo". Vale o mesmo dizer: daqui para a frente, a coisa não pode agravar-se, só pode melhorar. Os raios de sol espreitam, portanto. Vítor Constâncio, governador do banco central, discorda. Ele entende até que "o pior ainda não passou". Isto é: preparemo-nos para mais agonias e enjoos nesta atribulada viagem pela montanha-russa em que se transformou esta crise económica e financeira.
Cabe perguntar: quem tem, afinal, razão? O optimista ministro ou o realista governador? A questão não é de somenos, na exacta medida em que os portugueses tendem a alinhar as suas opções de vida (gastam mais ou menos, poupam mais ou menos) pela análise da situação do país que é feita por quem os governa.
Os dados que se conhecem parecem mostrar que a declaração do ministro é precoce.
Eis alguns exemplos: a poupança dos consumidores está a crescer a um ritmo impensável há uns anos. O que significa que o consumo privado não ajudará muito à recuperação económica. Da mesma forma, as empresas continuam a adiar decisões de investimento, por estarem descapitalizadas e por temerem o que aí vem. As exportações levaram um tombo perto da casa dos 20%. Os sinais que chegam das economias mais poderosas não são tão dramáticos como há uns meses, mas estão longe de nos deixar com a alma menos estremunhada. O desemprego continua - e continuará - a subir. Em 2009 e 2010 devem destruir-se 200 mil postos de trabalho - uma brutalidade! Como mostramos no trabalho que hoje publicamos no Primeiro Plano, há regiões, como o Algarve, que estão à beira do caos social. De tudo junto resulta um panorama assustador.
Por fim, mas não menos importante: convém não esquecer que, depois de vencido este dilúvio, há outras duas tempestades que estamos obrigados a enfrentar: a consolidação orçamental e o endividamento externo. Tradução: os tempos de dificuldades para os portugueses estão muito longe de desaparecer, ou sequer de amenizar. Não vale a pena fazer de conta. Não vale a pena lançar foguetes ao nínimo sinal de melhorias.
Resposta à pergunta feita no título desta crónica: no caso vertente, devemos acreditar mais em Vítor Constâncio do que em Teixeira dos Santos. Desde logo, porque a declaração do governador do BdP é de carácter técnico e a do ministro é eminentemente política. E isso faz toda a diferença.