A reabertura do Parlamento e a recusa de todos os partidos em estabelecer acordos com o Governo recolocaram a questão do diálogo na agenda política diária.
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Deve dizer-se, antes de tudo, que é injusto este acento tónico que se coloca na actividade parlamentar, como se a legislatura anterior tivesse sido um quero, posso e mando do Governo. A verdade é que nunca um primeiro-ministro foi tantas vezes à Assembleia como o anterior. Devido às alterações introduzidas no regimento parlamentar, Sócrates foi de 15 em 15 dias à Assembleia e os ministros tiveram uma presença bem mais assídua junto das comissões. É facto que o tom das intervenções reflectia o conforto de uma maioria absoluta e que a existência dessa maioria permitiu ao PS não acatar, por exemplo, alterações à acta da comissão que abordou o caso do BPN e a actuação do Banco de Portugal. Mas, tudo visto, é pouco provável que Sócrates e os ministros vão nesta legislatura mais frequentemente à Assembleia.
Partindo do princípio de que a obrigação do diálogo onera sobretudo o PS (o que não é inteiramente verdade), há que dizer que a responsabilidade de uma actuação equilibrada onera sobretudo a Oposição (o que também não é inteiramente verdade), que não pode lançar sobre a mesa todas as propostas do seu programa eleitoral, ficando à espera de quem as viabilize. Nesse sentido - o do equilíbrio -, há por estes dias que antecedem a formação do Governo sinais contraditórios. A eleição de Jaime Gama, por mais de 200 votos e sem votos contra, traduz a maturidade da Oposição, que soube ver na segunda figura do Estado uma personalidade credora da sua confiança, independentemente do partido a que pertence. E Gama pode ser nesta legislatura, por causa da composição do Parlamento, uma figura de destaque, sobretudo nas reuniões de líderes, onde muitos consensos podem começar, mas sobretudo onde se podem afastar da discussão matérias que possam provocar clivagens e fracturas graves. Terem-lhe reconhecido esse peso e essa importância é um bom augúrio para esta legislatura.
Pelo contrário, as primeiras matérias lançadas pela Oposição para o agendamento denunciam, no mínimo, a intenção de marcar terreno, embora, como todos sabem, com seis meses de estado de graça concedidos pela Constituição ao Governo, o tempo não seja para combates de primeiro grau. Se se esperava que os deputados quisessem, bem depressa, abordar a questão da avaliação dos professores para marcar uma rotura com o que o PS fez na anterior legislatura, dispensava-se, para já, a discussão dos casamentos gay. Há tanta matéria premente a que deitar mão antes disso. Claro que o assunto é incómodo até para o PS e, na óptica do BE, que avançou com ela, permite marcar desde início a superioridade da Esquerda sobre a Direita. Por mim, preferiria que alguém tivesse avançado, por exemplo, com a Regionalização, matéria que, é quase certo, ficará de lado nos próximos anos. Tivesse ela um lóbi e avançaria certamente.
Postas assim as coisas, o tempo vai propício para estes jogos "florais" da política, aqui e ali comandados por grupos de pressão. Faltam poucos dias para o novo Governo aparecer e começar mais a sério o verdadeiro combate. Veremos durante quanto tempo Governo e Oposição aguentam o diálogo e veremos também se algum deles tem pressa de provocar novas eleições. A ver ainda: como e quando vai renascer o PSD; como vai o presidente Cavaco, que com um Governo de minoria tem constitucionalmente outro papel, recuperar da trapalhada das escutas.