<p>Abandonadas ou maltratadas pelas famílias, as crianças em risco estão, em Portugal, entregues apenas a si mesmas. O sistema português de apoio à infância é débil e ineficaz. </p>
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As comissões de protecção de crianças e jovens, com a responsabilidade de sinalizar os menores em risco, apontar soluções e conduzir a sua implementação, pouco mais fazem do que identificar os problemas. A lei que as institui garante que jamais funcionarão. Desde logo, porque são constituídas por inúmeras personalidades. Destas comissões alargadas, sai então uma comissão restrita, onde invariavelmente estão técnicos das câmaras, da Educação e da Segurança Social, cujo horário é o de expediente - obviamente desadequado para lidar com problemas sociais e familiares. Para além disso, nestas CPCJ coexistem membros voluntários com membros remunerados. Uns têm qualificações e não têm tempo, outros têm tempo e não têm qualificações. O amadorismo é levado ao extemo e o que de bom há resulta da dedicação - e até abnegação - de alguns que vão realizando pequenos milagres.
São ainda estas comissões que elaboram os relatórios que fundamentam muitas das decisões dos tribunais de família e menores. Inevitavelmente os juízes ditam sentenças que poderão estar formalmente correctas, mas que são materialmente injustas, pois estão insuficientemente informados.
As consequências estão à vista. A menina russa, que foi deportada para uma localidade a milhares de quilómetros de distância, ou a pequena Esmeralda, que se viu forçada a mudar de família, irão seguramente carregar ao longo da vida os traumas que este Estado iníquo deveria evitar. Como deveria ter impedido a morte da pequena Joana. É infindável o rol de crianças que o Estado português ignora e despreza. Ou mesmo explora, como sucedeu na Casa Pia de Lisboa, onde, durante anos, de forma reiterada, meninos inocentes foram encaminhados para a prostituição por responsáveis públicos com diferentes estatutos.
Para apoiar crianças em risco, o país deve criar um sistema de intervenção eficaz e com carácter de urgência. E deve libertar-se desta combinação perversa entre uma burocracia insuportável, uma justiça que nunca chega e o crónico amadorismo nacional. Mais do que duma nova lei, as crianças precisam dum novo modelo de intervenção.
Esta é a verdadeira emergência nacional. Pois um país que maltrata as suas crianças, os agentes do futuro, quem despreza o que tem de melhor, está condenado ao fracasso.