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Há mão humana na tragédia do Elevador da Glória e as responsabilidades civis e criminais terão de ser apuradas de forma insuspeita para saber se chegam aos tribunais. Nós e as nossas histórias. A possibilidade destes dramas acontecerem a qualquer um, passos dados tantas vezes naquela calçada, coloca-nos na pele do outro numa espécie de surto empático colectivo, capazes de ver e permanecer a olhar, ligados às vítimas e à dor de quem fica. O momento é de respeito, íntimo, convoca a elevação perante o ensejo de encontrar culpados. A proximidade e o choque não podem fazer de nós justiceiros. Se há mão humana na tragédia, que não deixe de haver humanidade nestes dias em que a vertigem de encontrar culpados só prejudica a busca da verdade e envergonha o luto das famílias.
Há três pessoas que assinam um documento no dia do acidente, quarta-feira: a primeira, a que realizou a inspeção; a segunda, a responsável que a aprovou; e a terceira, a que a aceitou. O Elevador da Glória descarrilou, nove horas depois, resultando na morte de 16 pessoas e deixando outras 23 feridas. Se pensarmos que é esta a chave para encontrar a causa que desvenda a ferida aberta, abraçamos a forma mais simplista de começar uma caça às bruxas. Tem de haver algo mais e vem de trás. Que a dor, pelo menos, nos permita maior empatia.
Não que não seja fundamental analisar cada documento ou acção que tenha permitido autenticar uma tragédia que, embora acidental, pode fundar-se em erros de apreciação técnicos. Não podemos, no entanto, deixar de olhar a montante, alavancados pelas prioridades de Carlos Moedas, deparando com o desinvestimento e desvio directo de dinheiro da Carris para os unicórnios da Web Summit, como se os nómadas digitais fossem a segurança do coração de Lisboa e os serviços públicos da cidade uma opção indiferente ou antiquada.
Sendo necessário ajuizar das prioridades e das opções de quem dirige uma cidade, assim como as ligações, directas ou mais subjectivas, que possam resultar numa perda de qualidade dos serviços, da mesma forma que podemos e devemos contestar as opções políticas, pedir a demissão de Moedas é tão apalermado como doentio. E desonesto. Encontrar uma besta à medida que ocupe o lugar de um monstro maior por trás da tragédia é mais um ponto de exclamação para a demagogia e o maior contributo que podemos dar para que tudo fique igual.