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Nunca estiveram reunidas condições tão boas para a estabilização do emprego científico. Em 2024, completa-se o prazo do compromisso que o Governo e a Assembleia da República assumiram, com milhares de investigadores, de vinculação após contratos de seis anos. O Governo criou um quadro de financiamento para o cumprimento deste compromisso com a possibilidade de reforço dos orçamentos das instituições do Ensino Superior e das unidades de investigação, na ordem dos 20 milhões de euros, com a inclusão dos estudantes de doutoramento na fórmula de financiamento, com a abertura de um programa da FCT e com a possibilidade de mobilização de receitas próprias das unidades de investigação. As instituições estão a organizar-se para este novo desafio. Porém, são vários os obstáculos à utilização daquelas possibilidades.
1. A queda do Governo impediu a formalização de um contrato de confiança, tendo-se generalizado dúvidas e receios por parte de quem tem de tomar decisões. Dúvidas e receios que se agravam num ano em que, simultaneamente, decorre um ciclo de avaliação, não sabendo as unidades de investigação que financiamento vão dispor para assumir compromissos por tempo indeterminado. Ora, não haverá estabilidade para os investigadores se não houver estabilidade nas unidades de investigação e no sistema científico.
2. Reabriu-se um debate sobre as vantagens da existência de uma carreira de investigação, nas universidades, paralela à carreira docente. Enquanto uns saúdam o desenvolvimento do emprego científico como carreira autónoma, outros criticam a solução e sustentam que a investigação deveria ser apenas uma componente da carreira docente. A possibilidade prevista no FCT Tenure, de vincular investigadores na carreira docente, veio dar um contributo muito negativo para este debate.
3. Com a responsabilidade de quem tem de decidir, deixo a minha opinião sobre o tema.
Considero que, no contexto de subfinanciamento público da ciência e das unidades de investigação, com taxas de aprovação de projetos da ordem dos 5%, é crítica a utilização de recursos financeiros da única agência de financiamento da ciência, a FCT, para pagar atividades de ensino através da contratação de docentes. Penso ainda que é uma ilusão imaginar que o sistema científico se desenvolverá e sobreviverá apenas com docentes do Ensino Superior. Na maior parte das áreas científicas, vamos precisar sempre de investigadores a tempo inteiro.
Temos de decidir se queremos proporcionar-lhes um quadro estável ou se queremos continuar com um sistema que sobrevive à custa de investigadores precários, que vivem a desejar passar para a carreira docente por ser a única que hoje lhes oferece estabilidade.