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Esta semana, acompanhámos a despedida de solteira da deputada do partido de extrema-direita Rita Matias. Pessoalmente, este tema só me interessa se eu tiver sido convidada para ter uma faixa a dizer "team bride", um mojito na mão e calçado confortável para rebolar até abaixo quando passar a "La gasolina". É que se for para organizar uma, não obrigada. Na última vez que isso aconteceu, dei por mim a gerir um grupo de WhatsApp com amigas e familiares da noiva que demoraram um mês a decidir se o passeio de barco era a meio da manhã ou depois de almoço.
Portanto, ver de longe esta despedida de solteira até foi agradável. O que apreciei mais foi quando revelaram a presença especial na despedida da deputada. Estava eu toda empolgada a percorrer as fotografias do Instagram, quando percebo que a "presença especial" foi o recém-eleito presidente da Câmara de Albufeira, Rui Cristina. Ele até não é malparecido, mas quer dizer, foi lá exibir o quê? Foi lá revelar o orçamento da autarquia, devagarinho? "Calma, meninas. Não toquem. Ainda não chegámos à verba para o saneamento". No mínimo, visto que o Chega faz sempre muita campanha pelas forças de segurança, contava com um stripper vestido de polícia. Mas dado o historial com alguns elementos do partido, é possível que, se ele aparecesse de repente, muitos convidados começassem a dispersar, com medo que fosse um a sério. Enfim...
Aquilo que me chateou, para além da quantidade de jornalistas a fazer disto uma notícia a sério, foram algumas reações de pessoas que se assumem da esquerda progressista. A quantidade de comentários ignóbeis sobre a possibilidade de a despedida estar a acontecer devido a uma suposta gravidez fora do casamento foi reveladora. É como quando escolhem atacar a representante de extrema-direita porque "tem o cabelo oleoso". Este último, então, é muito habitual.
Ou seja, a quantidade de coisas que se podem dizer sobre o seu pensamento é quase infinita, mas o que se escolhe dizer publicamente é "os teus fios capilares parecem sujos" ou "se vai casar, é porque está prenha". Isto até seria algo que um deputado do Chega diria sobre alguém que discorda dele - porque eu estou atenta ao que eles dizem nas redes sociais e já vi coisas semelhantes -, mas a superioridade moral que algumas pessoas dizem ter não é muito compatível com esta retórica. A verdade é que atacar uma mulher pegando em atributos físicos faz destas pessoas um bocadinho mais parecidas com os que querem combater. A diferença no tipo de comentários e reações a que assistimos no espaço público entre declarações de deputados homens e deputadas mulheres é gritante. Enquanto com uma Rita Matias é quase sempre um elaboradíssimo "vai lavar o cabelo", com um deputado Bruno Nunes não me lembro de alguma vez ter lido um "a tua sobrancelha da esquerda devia pedir o divórcio da sobrancelha da direita" ou "tens cara de quem cheira mal da boca".
E não é só com a Rita Matias, é com quase todas as mulheres que se expõem de alguma maneira. Eu própria perdi a conta aos comentários "és gorda" ou "vai para a cozinha". Não é a tentativa de atacar pelo que estas mulheres dizem, mas pelo aspeto físico ou pela sua condição de mulher. Estamos num tempo em que comentar com "és feia" ou "deves ter falta de sexo" tanto pode ser de um eleitor do Chega, como de um tipo de esquerda que se considera muito progressista.
Spoiler alert: mete para dentro que tens a misoginia toda de fora. E eu não me podia considerar mais nos antípodas da deputada em questão. Discordo visceralmente do que ela pensa, abomino a sua forma de fazer política e acho que representa o pior que o país já produziu. Mas nem tudo me afasta, porque afinal temos esta coisa que nos une.

