Há três anos, para surpresa de alguns, coloquei reticências à fórmula encontrada por António Costa para envolver forças políticas mais à esquerda no apoio a uma solução minoritária de governo do PS.
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Havia três razões para os meus receios. Por um lado, o efeito externo que essa solução poderia vir a desencadear nos mercados económicos e financeiros, com impacto na recuperação da débil situação portuguesa. (Há quem se esteja "nas tintas" para os mercados, mas essas pessoas fazem parte de quantos sabem que nunca terão a responsabilidade de garantir a subsistência financeira do país). A segunda razão tinha a ver com a fiabilidade dessas mesmas forças políticas, no suporte a um executivo que se previa fosse defrontar, como defrontou, a acrimónia de quem se sentia desapossado do poder. (Também sei que algum tropismo ideológico considerava isto uma irrelevância, porque a "maioria de esquerda" era o seu sonho eterno, "e depois logo se veria"). Acrescia, finalmente, a imprevisibilidade de um novo presidente da República, cuja base natural assentava em quantos então regressavam à oposição.
As coisas correram bastante bem. Surfando uma conjuntura europeia e internacional favorável, António Costa cumpriu a promessa de respeitar os compromissos financeiros que Portugal tinha subscrito na Europa. (Claro que há quem ache que o país deve "romper" com aquilo que assinou, porque a irresponsabilidade é um produto barato, mas o barato quase sempre sai caro). Os parceiros foram, no essencial, fiéis àquilo que tinham garantido, da mesma forma que o governo, pagando algum preço político (no caso das reversões das privatizações, por exemplo), mostrou cumprir com a palavra. O presidente foi uma agradável surpresa: demonstrou sentido de Estado e elevado espírito de cooperação.
O Parlamento estava assim certo quando escolheu este modelo. Pelas sondagens, concluir-se-á que o país, maioritariamente, está satisfeito. Eu estava errado.
Há dias, passou o 25 de novembro, data que, estranhamente, alguns teimam em erigir em trincheira com que pretendem fazer uma leitura "autêntica" do 25 de Abril. É uma atitude típica de vencidos inconsoláveis, de saudosos de algo que afinal, os reais vencedores daquela data não deixaram que acontecesse: a ilegalização do PCP. Na realidade, ver hoje as forças políticas que um dia foram tentadas por uma via revolucionária integradas numa solução democrática e constitucional de governo é talvez a verdadeira vitória do 25 de novembro.
*EMBAIXADOR