Na sequência do concurso nacional de acesso ao Ensino Superior deste ano, que cumpriu já as principais fases de colocação dos estudantes nas universidades e institutos politécnicos, saltou para a atualidade a questão da ausência de candidatos aos cursos de Engenharia. São com certeza variadas as razões para este fenómeno, mas esta semana chegou ao meu conhecimento a mais bizarra, para não dizer lamentável, de todas as que imaginei. É que o país, este Portugal de contrastes, não deixa alguns jovens ser engenheiros.
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Como os leitores saberão, os jovens que completam o 9.0º ano são confrontados com a necessidade de fazerem uma opção por área disciplinar quando ingressam no 10.0 ano. Esta escolha vai, mais tarde, condicionar o leque de cursos a que podem aceder no Ensino Superior. Há os que fogem da Matemática porque não se entendem com os números desde a escola primária, os que fogem das línguas estrangeiras porque a sua própria língua revela um travo que lhes tolhe a fonética, os que fogem das Humanidades porque nunca gostaram de ler livros mais espessos que o patinhas, os que evitam o Desporto porque nem sequer gostam de futebol, enfim, todo um mosaico de boas e más razões para se enveredar por um determinado caminho. Mas há também aqueles que sentem a vocação por uma profissão e sabem bem qual o percurso que devem trilhar para lá chegar. Frequentemente são alunos bons, na medida em que foram abençoados com a força de vontade que lhes advém da vocação. Por isso, estudam, trabalham e lutam arduamente pelos seus objetivos.
Ocaso que aqui vou relatar é justamente de um desses, o jovem T, que sempre quis ser engenheiro. Tendo terminado o 9.0 ano numa escola de 1.0 e 2.0 ciclos, já agora no quadro de honra, teve de mudar de estabelecimento para prosseguir o seu desejo no 10.0 ano. E assim escolheu, como mandam as regras, cinco escolas secundárias da sua zona de residência, por sinal grandes, para encontrar uma vaga na área científico-tecnológica. Para seu espanto, não conseguiu o seu desígnio porque as ditas escolas não ofereciam as disciplinas necessárias para o futuro engenheiro. Em dois casos não existia mesmo Geometria Descritiva, mas havia, isso sim, Biologia. Todo um mar de oportunidades para médicos, biólogos ou veterinários, mas nada de Engenharia, que o país parece não precisar!
Amãe do jovem T, inconformada, expôs a situação em diversas escolas e também junto da Direção-Geral dos Equipamentos Escolares (DGEstE). Foi-lhe dito que o filho podia sempre seguir Economia e, depois, quiçá aceder a Engenharia Informática. Ou então, se quisesse mesmo tentar as "outras" engenharias, havia um caminho óbvio: propor-se no final do 12.0 ano, por iniciativa individual, a exame de Físico-Química e de Geometria Descritiva. Como não iria frequentar essas disciplinas, pressupõe-se que a família do jovem T teria de pagar explicações para, fora do sistema público que é suportado pelos nossos impostos, se preparar e superar os exames.
Formalmente a DGEstE tinha 30 dias para se pronunciar, que terminaram no primeiro de setembro. A verdade é que, a um dia do início das aulas, o jovem T não tinha ainda escola. A resposta chegou com o clássico atraso, datada de 12 de setembro, anunciando que não foi possível a abertura da disciplina de Geometria Descritiva no Agrupamento de Escolas pretendido, mas que T. obtivera colocação numa turma com a opção de Biologia e Geologia. Resposta não só tardia, mas também errada, já que o jovem T foi colocado numa turma de Economia.
A mãe de T. conclui, num email sentido, que é o próprio país que corta as pernas aos futuros engenheiros. Eu subscrevo. E sei que a Ordem dos Engenheiros, que é conhecedora deste triste episódio, está também indignada.
Agora a pérola desta história da vida real. O Agrupamento de Escolas em causa não se situa em Trás-os-Montes, nem na Beira Alta, nem no Alentejo, nem em qualquer região do interior, onde o estafado argumento da ausência de procura sempre é usado para justificar a retirada de oportunidades. Situa-se bem dentro de Lisboa. Como diria o saudoso Fernando Pessa, "e esta hein?!". Ou, de outro modo, "engenheiros para quê?!".