No fim de Julho assistimos a mais um episódio da guerrilha entre Nuno Crato e os sindicatos dos professores. Quase de um dia para o outro, o ministro convocou os exames de qualificação para a docência para aqueles que não os tinham podido realizar na data inicialmente prevista.
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Os sindicatos tentaram impedir a realização da prova mas, no balanço final, para além do barulho, mais ou menos para televisão ver, foram derrotados. Os candidatos a professores, mesmo sabendo que poucos serão os contratados, resignaram-se a fazer a prova. Como se costuma dizer, a esperança é a última a morrer.
A discussão sobre a razão de tal mecanismo de selecção foi pobre e mistificadora. É difícil perceber que docentes a exercer a função há vários anos a devam efectuar e não é fácil entender a desconfiança na qualidade da formação ministrada por escolas e cursos acreditados por entidades dependentes do próprio ministério. Sabe-se, contudo, que o grau de exigência e rigor varia muito de escola para escola, fazendo sentido haver um processo de seriação uniforme que evite ou, pelo menos, minimize a probabilidade de o facilitismo render dividendos. O que não faz sentido é tratar por igual o que é diferente, ou seja, quem tem e não tem experiência lectiva: para o bem e para o mal, esta é uma profissão em que uma parte crítica da formação se faz fazendo, por experiência no posto de trabalho.
Para que a discussão pudesse decorrer num ambiente construtivo seria preciso admitirmos que todas as partes envolvidas, a começar no ministro e a acabar no mais incógnito candidato a docente, estivessem empenhadas na melhoria da educação. Ao contrário do que, por vezes, a nossa visão provinciana tende a fazer crer, esta não é uma questão que se coloque apenas entre nós. Em toda a OCDE, desde os Estados Unidos aos países nórdicos, com pior ou melhor desempenho nas avaliações internacionais, a questão da qualidade da educação, sobretudo nos níveis mais elementares, ocupa uma posição cimeira nas respectivas agendas políticas mas não só. O tema ganhou autonomia, tornou-se objecto de investigação com vários especialistas estudando e comparando processos, analisando resultados, em busca, se não de soluções, pelo menos de lições que pudessem contribuir para superar erros e melhorar o desempenho do sistema educativo.
Em quase todos os países, os professores são como que atirados "às feras": aprendem a ensinar ensinando, fazendo dos alunos cobaias. A convicção dominante, durante muito tempo, é que isso de ser (bom) professor era uma questão de vocação. O mito, sabe-se hoje, resultava de a escolha ser, então, menos condicionada, quer por o nível de desemprego não ser significativo quer por o estatuto social do professor não só não estar degradado como ser valorizado (entre nós, em parte pelas más razões: o ensino estava longe de se ter democratizado). Ia para professor quem podia e queria. Podia e queria. Como muitos da minha geração bem sabem, tal não impediu que houvesse professores péssimos que confundiam autoridade (às vezes a roçar a prepotência) com saber.
Hoje, pelo contrário, campeia a ideia de que a docência é mais um recurso do que uma escolha. Em todo o caso, por comparação mais uma vez com a minha geração, a formação de base dos potenciais docentes é, agora, sem dúvida, melhor embora, talvez, menos exigente.
Quando há concorrência, faz sentido que os candidatos à função docente se sujeitem a um processo que os hierarquize com base nas competências técnicas reveladas, corrigindo eventuais desigualdades e distorções que poderiam resultar dos critérios específicos de cursos e escolas. Se o objectivo for melhorar o processo de ensino, esse há-de ser apenas o momento zero. A pedagogia evoluiu o suficiente para se saber, hoje, que se pode ensinar a ensinar, que a docência requer certas capacidades que estão identificadas e podem ser ensinadas, treinadas, adquiridas mesmo por pessoas que não têm a presumível aptidão inata para ensinar. Se a preocupação fosse, mesmo, melhorar a qualidade do ensino e da educação era isto que deveria ter estado no centro do debate. Não era?