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Um dos livros do Pe. Anselmo Borges, notável intelectual, começa com uma história que nunca esqueci. Uma mãe, tentando atenuar a perda da avó à sua pequena filha, diz-lhe que não há que temer a morte. "Quando tu morreres - diz--lhe -, só o corpo vai para debaixo da terra. A alma vai para o céu". Por entre lágrimas, a pequena pergunta: "Então e eu?"
É exatamente o que me vem à cabeça quando penso na forma como os nossos principais cabeças de lista, ou seja os representantes dos maiores partidos portugueses, geriram esta campanha. Falaram para o céu ou para debaixo da terra, mas nunca para mim! E, mais uma vez, o erro pagou-se com uma taxa de abstenção entre as dez maiores dos países da União.
Tudo se resumiu a uma aposta sobre quem ganharia as próximas eleições legislativas sustentada numa ultrapassada e demagógica troca de acusações. Nem sombra de Europa e nem sombra de argumentos. Fico a pensar como é que duas pessoas inteligentes como Paulo Rangel e Francisco Assis se submeteram a tal exercício.
Os partidos mais pequenos tentaram, apesar de tudo, uma discussão mais centrada mas muito condicionada pela sua representatividade histórica. Apenas o MPT, pela notoriedade do seu cabeça de lista, pôde, mesmo assim, garantir resultados.
E desta vez a Europa conta e muito. Os resultados globais mostram muitas coisas e enchem-me de perplexidades.
A falta de participação pelo voto na política europeia, com países como a Eslováquia a apresentarem 87% de taxa de abstenção, seguida de perto pela República Checa (80,5%), Polónia (77,3%) ou Hungria (71,7%), levam-nos a um Parlamento com uma base de representatividade real muito reduzida, o que, por sua vez, só acentuará este fenómeno de distanciamento. E isto em países do alargamento que, prosaicamente falando, ainda deviam estar sob o efeito benéfico da inclusão e das ajudas.
Por outro lado, a recomposição das famílias políticas europeias com extremos cada vez mais nítidos é inexplicável ou mesmo inaceitável.
Dos 751 lugares elegíveis, 43 pertencem à extrema-esquerda radical e 141 a representantes de partidos nacionalistas, de extrema-direita, neonazis ou eurofóbicos! Ou seja, cerca de 25% dos lugares disponíveis, estão já atribuídos a representantes de partidos de democraticidade duvidosa.
Para tornar tudo isto um pouco mais difícil, o fenómeno estende-se por uma variedade grande de países. Da Alemanha, a França, a Itália, ao Reino Unido, a Espanha, à Holanda, à Grécia , Hungria, Suécia, Áustria e Dinamarca, descritivos como neonazi, extrema-direita, nacionalista, nacional-conservador e outros fizeram caminho e estruturaram partidos que se assumiram mesmo, como no caso francês, como a maior força nacional.
É verdade que, neste caso, juram os média e juram todos os protagonistas à esquerda de Marine le Pen, que tudo se resumiu a uma monumental zanga com a UMP e o PS ( e o petit Hollande) e que nada de acreditar na ideia de primeira força nacional para o Front National (FN), porque isso são cantigas de quem não conta com a taxa de abstenção e com a sociologia histórica dos votos franceses nas legislativas ou presidenciais. Factos: FN - 24 deputados, UMP - 20 deputados, PS - 13 deputados.
Acontece entretanto que este fenómeno de zanga ou seja lá o que for, que levou os extremos em força ao Parlamento, legitima fenómenos para além da minha compreensão. Como é possível tornar elegíveis a lugares no PE representantes de partidos que não aceitam a União Europeia e as suas regras? É de mim ou só por referendo se pode discutir em cada país a permanência ou não na União? Mas, pior, como é possível legalizar e tornar elegíveis partidos que se assumem como neonazis? É de mim ou o regime nazi e os seguidores do seu estatuto ideológico cometeram crimes contra a humanidade? Fico perplexa e muito assustada.
Então, e lições? Já que tanto se apregoou o efeito direto das eleições nas políticas dos estados-membros, calemo-nos, pensemos e assumamos todos, governantes e governados, que temos de pôr o bem comum e a defesa dos valores europeus, dos pais fundadores, sempre e a cada situação em primeiro lugar. Sem cedências a preguiças abstencionistas ou a discursos eleitoralistas e desclassificados.
O atual momento da política interna portuguesa precisa, como nunca, desta determinação.