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No final da IX Convenção do Bloco de Esquerda não restam dúvidas sobre qual a moção política vencedora: a moção de João Semedo/Catarina Martins e de quem a subscreveu. Mas tudo o que fica e subjaz são dúvidas que importa olhar nos olhos, sem olhar a quem, se queremos verdadeiramente olhar o Bloco. E a primeira pergunta que o Bloco deve dirigir a si próprio é: quer, efectivamente, existir? Tem a ousadia de se olhar ao espelho, vendo o que é evidente? A resposta tem que ser dada dentro das raízes da militância de um partido que se desfaz, aos olhos dos outros, como um castelo de cartas num jogo mal dado. Está o Bloco preparado para enfrentar as causas da sua erosão ou prefere desvanecer-se da pior das formas, minando-se em questiúnculas internas e pessoais que optam pela árvore em detrimento da floresta, dando razão aqueles que sempre acusaram a Esquerda de nunca se conseguir entender por razões de ADN e egocentrismo? Ninguém compreenderá que, depois desta convenção, o Bloco não entenda o que se passou dentro dele. Ninguém o levará a sério, depois. E morrerá do lado oposto da grandeza, beleza e esperança com que foi criado em 1999.
É indiscutível que a convenção deu ao país um sinal inequívoco de democracia e de liberdade interna. E isso é admirável, fazendo justiça às pessoas que sonharam e continuam a fazer o Bloco. Mas se as pessoas importam e se as pessoas que estão dentro do Bloco importam, só há uma conclusão possível face aos resultados: alguma coisa tem que mudar e essa mudança tem que ser perceptível, no próximo domingo. Para que tal aconteça basta "importar" alguma opinião, a da sua base social e eleitoral, a da sua massa crítica, de todos aqueles que assistem com espanto à visão de um partido a desmoronar-se em dissensões, processos de intenção e teimosias. Perante os resultados, ninguém esperará que não se cheguem a conclusões, tais são as evidências. A liderança partilhada falhou. E não falhou por incapacidade das pessoas que a compõem nem pelo experimentalismo da solução. Longe disso. Falhou sem ser verdadeiramente testada, como provavelmente falharia qualquer outra solução que sucedesse à liderança de Francisco Louçã. Como pai ou mentor da solução, pode Louçã dar sinais da falência do teste, honrando aqueles que a tentaram manter de forma abnegada, competente e comprometida. Deverá ficar claro que a agonia do Bloco não começa com a saída de Louçã: o partido já resvalava eleitoralmente antes de ele se afastar. O grande desafio de Francisco Louçã será tentar unir à Esquerda, tendo falhado a união interna.
Como ignorar que Pedro Filipe Soares, chegando à convenção com mais delegados, consiga fazer aprovar as alterações estatutárias que defende, não evite o empate na votação secreta para a Mesa Nacional, acabando por ver a sua moção derrotada face à de João Semedo/Catarina Martins? Qual a leitura que se pode fazer destes resultados aparentemente contraditórios? A de que os militantes acreditam nas pessoas e que querem aperfeiçoar o projecto. Mas não acreditam na solução. O verdadeiro desafio de João Semedo, Catarina Martins, Pedro Filipe Soares, Luís Fazenda e da restante Mesa Nacional será o de encontrar uma terceira via, motivadora, igualmente capaz mas renovada pela força. Nunca o de encontrar muletas para a governabilidade no Bloco, tal como o Bloco não admite ser muleta deste PS. No próximo domingo, deveria ficar escrito que o Bloco foi tão competente no parlamentarismo que se esqueceu do que se passava nas ruas. Deverá ser exaltado o valor moral que raramente perdeu e o trabalho inexcedível que tem desenvolvido com um pequeno grupo parlamentar na defesa das suas convicções e das pessoas que lhe confiaram o voto. Deveria ficar escrito que vale a pena continuar a acreditar.
A não ser assim, poupem os esperançosos à agonia. O problema não é a irrelevância em número. O mais doloroso é perceber que o próprio Bloco já pode ter perdido a percepção da sua importância quando nunca, como hoje, são tão claras as razões que justificam a sua existência. A resposta deve ser dada, de forma inequívoca, pela Mesa Nacional. Curiosamente, as palavras de António Costa sobre o PS e a detenção de José Sócrates colam-se à pele do actual contexto do Bloco com uma inusitada demanda de exegese final: "os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem confundir a acção política". E é por isso que me custa escrever este texto mais do que a qualquer outro. Porque sempre estive com o Bloco por estas pessoas em que continuo a acreditar.