Entre a peste e a cólera: o dilema da Ucrânia e a impotência europeia
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Este é um dos piores momentos que a Europa viveu nos últimos anos. Esmagado pelo seu grande aliado transatlântico, o Velho Continente não encontra no seu interior uma voz forte que o represente. Mesmo os mais distraídos repararam que esta semana vários líderes europeus tentaram capitalizar para si trunfos de uma cimeira em Paris que não serviu para nada. Neste complexo puzzle, joga-se o futuro da Ucrânia. Que se pincela em tons carregados.
Percorrendo ontem os títulos das principais capas das revistas noticiosas europeias, o retrato que se refletia da Europa é inequívoco: “fora de jogo”, titulava o “Courrier International”; apagada, escrevia “L’Express”; sozinha, assegurava “The New Statesman”. Em poucos dias, Trump esmagou os líderes europeus; reabilitou Putin; ignorou Zelensky e colocou a Arábia Saudita, controlada pelo seu indefetível amigo Mohammed bin Salman, no centro das negociações para o fim da guerra na Ucrânia. Nesta conjuntura, perspetiva-se um acordo humilhante para um país que sonhou libertar-se das amarras de um neoimperialista. Hoje, confronta-se com mais outro e essa aliança entre Trump e Putin é, na verdade, profundamente ameaçadora. Também para a Europa que se vê humilhada e sem poder de reação.
Temendo o pior, Zelensky já garantiu que não concordará com um cessar-fogo sem garantias de segurança ou com qualquer negociação encetada nas suas costas. Todavia, o espaço de manobra do presidente da Ucrânia tem vindo a diminuir substancialmente. No plano diplomático, mas também dentro de portas. Segundo “The Economist”, sondagens internas mostram que, numa futura eleição, Zelensky perderia por 30 por cento para Valery Zaluzhny, antigo comandante-chefe das Forças Armadas, que ainda não entrou na política, mas que, mesmo assim, soma 60 por cento das intenções de voto. Em janeiro, a confiança no atual presidente caiu para 52 por cento, muito abaixo dos 90 por cento que confiavam nele no início da invasão.
Perante este cenário, a Europa encontra-se numa colossal encruzilhada. A sua fragilidade política e a sua instabilidade estratégica expõem não apenas a falta de liderança interna, mas também a sua crescente irrelevância num tabuleiro global onde os verdadeiros jogadores ditam as regras, redesenhando um mapa de influência extremamente perigoso. Em primeiro lugar para a Ucrânia que previsivelmente pode ver-se perante aquilo que uma fonte não identificada no Governo ucraniano dizia ontem à revista “L’Express”: ter de escolher entre a peste e a cólera.