<p>Uma primeira nota, sobre pesos e medidas. O "Ocidente" não pode denunciar a fraude no processo eleitoral iraniano, e ficar calado perante as acusações de grave irregularidade, no processo afegão.</p>
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Vários media puderam verificar tais desvios e anomalias, incluindo boletins de voto rasgados e abandonados.
Tudo isto reforça a responsabilidade da comunidade internacional, na exigência de um inquérito público, e de resultados límpidos. Na exigência de liberdade de protesto e exposição, para que tudo não acabe como no Irão. A não ser assim, vários países pensarão duas vezes, antes de continuar a ajudar o regime de Cabul.
É um regime de parto difícil, ironicamente guiado por um presidente, Hamid Karzai, que era, na origem, médico obstetra.
Regime difícil, num país que já tentou todos os modelos.
Primeiro, depois de séculos onde os afegãs eram olhados como "uma tribo persa", sob o império Durrai (de que Karzai descende) em 1747, pai do Afeganistão moderno. Este império expandiu-se até ao Irão e a Deli, na Índia, levando à observação de que as actuais fronteiras, povos, histórias e tradições, não coincidem.
Depois vieram três guerras de clã contra o Reino Unido, que, como sempre, permitiram unificar as feudalidades contra o "estrangeiro". A seguir, um Afeganistão sob semi-protectorado tornou-se cenário estratégico do "Grande Jogo" entre Londres e Moscovo. Foi durante a Primeira Guerra, com conflitos entre serviços secretos, e a ascensão de Ripley, "ás dos espiões".
Tivemos então a independência, em 1919, e a monarquia soberana e "iluminada", copiando a laicidade e modernidade da Turquia de Atatürk. A partir de 1927, instaurou-se um sangrento facciosismo palaciano, como se os Bórgias se houvessem incrustado no Indo-Kush. Em 1933, quando Portugal tinha o Estado Novo, Cabul presenciou o início de um reinado estável de 40 anos, sob Zahir Xá, amigo dos Kennedy, pai de uma geopolítica de equilíbrio e equilibrismo, durante a Guerra Fria, e na linha da frente das suas crises. Em seguida, a república entre 1973 e 1978, a ditadura militar anti-islamista, até 1979, a ocupação soviética e o "comunismo" local, até 1989.
Retirada a URSS, com o desinteresse de todos, excepto o Irão e sobretudo o Paquistão, o país regressou à divisão entre chefes tribais e à guerra civil, culminando no massacre de Cabul (10 mil mortos), em 1994. Dois anos depois, ajudado pelos serviços secretos de Islamabad (o ISI), ainda sem projecto global anti-americano, cresceu o governo Talibã, que durou até ao rescaldo do 11 de Setembro.
Os Talibã ofereceram ordem pública, paz, unificação, combate ao crime, destruição das culturas de papoila, e das redes de distribuição de heroína, ópio e morfina. Em troca, perseguiram os ímpios, interditaram muitos direitos das mulheres, baniram os partidos, e qualquer perfume do "mundo moderno". E na política de droga, apesar das palavras e dos decretos (sobretudo em 2000), há provas de que continuaram a cobrar impostos (10%) aos plantadores, a administrar monopólios e a encorajar a exportação.
Neste ponto continuamos: apesar da riqueza em petróleo, gás, cobre, ouro e ferro, é mais fácil sobreviver com a papoila. O produto bruto afegão, sem a droga, cresceu 52%, só nos dois anos a seguir à expulsão dos "estudantes de teologia". Mas continua demasiado dependente deste lucro fácil.
O que torna tudo mais difícil. Ou, segundo alguns, impossível.