A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) contabiliza em vários milhões o número de euros que o Estado deve às autarquias apenas e só no capítulo do apoio aos estabelecimentos de ensino (pré-escolas, escolas primárias e secundárias - ver páginas três e quatro).
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O ano lectivo ainda não arrancou - e talvez por isso a ANMP se mantenha silenciosa, à espera que as dívidas sejam atempadamente saldadas. É uma expectativa que o aperto do país tenderá a não satisfazer - e se assim for, o risco de colapso em algumas escolas será uma realidade. Quer dizer: o ano escolar começará com muita gente aos gritos e, pior do que isso, com muitas famílias sem capacidade para suprir as necessidades dos seus filhos.
A isto pode chamar-se um retrocesso civilizacional. Um país cujo Governo (seja ele qual for) retira da sua lista de prioridades o pagamento das facturas apresentadas pelos fornecedores das escolas, transferindo a responsabilidade para as exauridas autarquias, não é um país que se recomende. Um país cujo Governo (seja ele qual for) sonha alto mesmo quando os cofres estão vazios comete pecados sem perdão, como este de esquecer aqueles que, afinal, devem merecer, antes de tudo o mais, a sua atenção.
As consequências deste absurdo, infelizmente expectável, estão à vista: se a ANMP não estiver a exagerar (e fazê-lo, neste caso, seria execrável e criminoso), há crianças das nossas escolas que podem perder as refeições escolares quando o ano lectivo iniciar, dentro em breve (os atrasos estendem-se ao transporte escolar, ao alargamento das refeições nos refeitórios e até ao programa de introdução de mais fruta nos estabelecimentos de ensino). Será terrível para muitas dessas crianças, que, nos casos mais críticos, tomam a refeição principal na escola. E será uma gigante vergonha para todos nós. Melhor: é uma gigante vergonha para nós, incapazes como somos de distinguir o essencial do acessório, trilho que, de resto, nos trouxe até aqui - até perto do abismo.
Há um outro lado, igualmente gigante, deste absurdo. Por razões fáceis de entender, há autarquias que decidem pagar todos os manuais escolares a todos os alunos do 1.º Ciclo, pelo menos. Da mesma forma, os descontos nas refeições escolares são praticados quase sem critério. Dos livros à borla e da comida mais barata beneficiam agregados cujos rendimentos suportariam bem tais gastos. E - espante-se, caro leitor -, quando, em nome da decência, alguém procura transferir os seus benefícios para quem realmente deles necessita, não o pode fazer. Porquê? Porque não!
Portugal é um país de pernas para o ar. Um país de prioridades invertidas. Um país às avessas. As crianças não têm culpa dos nossos desmandos e desvarios.