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Já muito se tem dito e escrito, e muito mais se dirá, sobre os resultados das eleições que ocorreram na passada terça-feira em Nova Iorque, Nova Jérsia, Virgínia e Califórnia, nos Estados Unidos da América (EUA). Foram todas ganhas por candidatos do Partido Democrata. Podemos acreditar que o descontentamento com as políticas de Donald Trump leva automaticamente os eleitores para voto nos democratas? Talvez não se possa tirar essa conclusão como absoluto geral.
A vitória de Zohran Mamdani em Nova Iorque teve caraterísticas específicas e de grande relevo, tal foi a dureza do combate político desencadeado por Trump contra ele. As suas propostas disruptivas e desassombradas foram o fator decisivo em Nova Iorque e com grande influência a nível nacional. Os outros candidatos democratas devem ter beneficiado do programa e da campanha democrata de Mamdani.
Para meter medo ao povo, o candidato e algumas das políticas que se propõe executar foram catalogados como "socialistas" e "comunistas". O seu cariz é social-democrata, mas revolucionam a sociedade à luz do status quo que tem dominado. São propostas para satisfazer necessidades e direitos fundamentais a que os seres humanos têm direito, num país onde se concentra imensa riqueza, mas são enormes as injustiças, as desigualdades e a pobreza.
Neste tempo de domínio avassalador do neoliberalismo económico e de campanhas de normalização das forças políticas ultraconservadoras e fascistas, é muito importante surgir um cenário político, no coração do Império, a demonstrar que as alternativas a esse rumo podem construir-se. Não pela via da condescendência e do colaboracionismo, mas sim pelo caminho da rutura. Não há uma via única para derrotar a extrema-direita, contudo, não será nunca pela via da cedência.
Aqui chegados, muitas observações e interrogações nos surgem a justificar o título desta crónica. Como vai o governo de Nova Iorque cumprir as suas promessas? Resistirá à chantagem de Trump? Conseguirá contar com o empenho do Partido Democrata? Este vai sacudir alguns (apenas) dos gritantes privilégios dos muito ricos? Que dinâmica sociopolítica criativa se pode esperar da sociedade norte-americana no novo quadro geopolítico e geoestratégico mundial, quando está habituada a voltar-se para si mesma e a considerar natural uma espécie de "direito de pernada" dos EUA sobre os direitos dos outros povos e países?
Por cá, os dirigentes da União Europeia e o nosso Governo prosseguem na normalização da extrema-direita e na ultraliberalização da economia e das funções do Estado, enquanto alimentam a ilusão da recomposição do velho império e pedincham espaço debaixo das suas asas.
Uma das lições de Nova Iorque é que é preciso construir propostas disruptivas, acreditar nelas pela participação dos cidadãos na sua construção. É necessário organizar e agir em todos os espaços, sendo a rua um dos mais poderosos.

