A propósito da minha crónica sobre o "bullying", recebi a mensagem de uma professora que dizia que "se a maioria das pessoas frequentasse as escolas onde há problemas sócio-económicos ficava aterrorizada."
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"Os problemas são tantos, que só criando um certo alheamento, se consegue manter a capacidade de continuar a trabalhar" e concluía, concordando embora com o meu diagnóstico, dizendo que incorri "numa ideia hoje vulgarizada, que atribui à escola o papel de educadora e formadora, deixando a família isenta de qualquer responsabilidade na transmissão de valores. Ora, se há algumas famílias que os não podem transmitir porque a vida não lhes permitiu desenvolvê-los, outras há que o não fazem por laxismo, desinteresse ou simplesmente porque a sua atenção está concentrada noutros aspectos mais prosaicos."
Ainda que na crónica atribuísse responsabilidade a todos nós pelos problemas que ocorrem na escola, é possível que não tenha deixado bem esclarecida a minha posição que, no essencial, coincide com a desta professora. Dizia há quinze dias que "a sociedade do futuro depende, em grande parte, dos valores que a escola transmite aos alunos", mas não é menos verdade que a escola do presente está condicionada pela sociedade em que se integra e, conhecendo relativamente bem algumas escolas públicas ditas problemáticas, sei como a tarefa dos professores é titânica, e muitas vezes mal compreendida e mal aceite por parte dos pais.
É difícil ensinar e motivar crianças mal alimentadas, desatentas, vítimas ou testemunhas de casos de violência doméstica e que vivem no meio de dramas sociais e familiares diários. E é tanto ou mais difícil transmitir-lhes valores essenciais de sociabilidade e de disciplina quanto é certo que não cabe à escola, mas a outras entidades, e à sociedade em geral, proteger estas crianças contra esses ambientes inseguros e degradantes, o que nem sempre faz eficazmente, ou a tempo.
É indispensável que a escola seja para estas crianças um local de paz e de ordem, um refúgio fiável, onde encontram protecção, mas onde têm, também, de respeitar e cumprir regras de disciplina, de respeito e de sã convivência. A escola deve ser capaz de as resguardar da violência do mundo onde são criadas, e de lhes transmitir os ensinamentos que as podem vir a libertar da miséria social e moral em que vivem, cortando assim o círculo da exclusão social a que, de outro modo, estarão condenadas.
Hanna Arendt dizia que a escola constitui um "mundo entre mundos", a quem cabe transmitir o saber e preparar a criança para transitar do "seu" mundo privado, muitas vezes social e economicamente adverso, para o mundo dos adultos e para uma sociedade de gente que se quer responsável e com valores de respeito e de cidadania. Neste sentido, a escola deve ser "fechada", evitando estabelecer pontes em excesso com o mundo exterior que permitam a reprodução dentro dela de modelos de violência e de falta de regras, tendo ao mesmo tempo que transcender as suas atribuições tradicionais para, sem se sobrepor aos pais e às famílias a quem cabe naturalmente a tarefa de educar e formar, criar condições para o exercício das funções que lhe são próprias, assegurando uma mudança no quadro de valores destas crianças que lhes permita integrar o mundo colectivo. O que supõe, naturalmente, que também esteja atenta e seja capaz de dar o grito de alerta quando uma dessas crianças está em risco, porque isso faz parte do cuidado que elas merecem, e porque só assim, como também diz Arendt, poderão vir a ter, um dia, condições para "mudar o mundo".