<b>1</b>. Há pelo menos dois sentimentos que vêm à tona, à medida que se absorvem as notícias sobre o Orçamento do Estado para 2020. O primeiro é o alívio.
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É uma reação mais instintiva, que tem sobretudo a ver com a sobrevivência. Depois de tantos anos de castigo, de subidas brutais no IRS ou no IVA da eletricidade, de cortes selvagens nos salários e direitos laborais, nas pensões e nos apoios sociais, depois de milhares de pessoas perderem o emprego, de outros milhares serem forçadas a emigrar, depois de um empobrecimento geral, sempre que tudo fique na mesma (ou quase), e que não haja mais contas para pagar, já estamos todos a ganhar. Um alívio, portanto. É evidente que haverá quem, no seu exercício legítimo de oposição, denuncie mais um aumento da carga fiscal. E é quase certo que haverá. Mas é uma carga fiscal à custa do IVA nas touradas, do imposto sobre o tabaco aquecido, ou da compra de carro a gasóleo de alta cilindrada. Nada que emocione milhões de contribuintes veteranos que sobreviveram aos anos da troika.
2. O segundo sentimento é a surpresa. De um ano para o outro, o cuidado saudável com as contas públicas transforma-se numa obsessão com o "lucro" - em que as receitas do Estado superam as despesas. É certo que é uma medalha reluzente para António Costa e Mário Centeno exibirem a alemães e holandeses em cimeiras europeias. É incerto que os portugueses ganhem alguma coisa com isso. Por um lado, os juros da dívida já estão praticamente a zero. Por outro, como explica o economista Ricardo Pais Mamede, mesmo que voltássemos a um défice de 1%, o peso da dívida cairia três pontos percentuais (de 120% para 117% do PIB). Sucede que cada décima de "lucro" que o Orçamento reclama, representa 200 milhões. Dinheiro que falta para aumentar pensões miseráveis. Para melhor educação. Melhor saúde. Melhor transporte público. Dinheiro que falta para reduzir os impostos sobre o trabalho. Para acabar com a pobreza infantil. Para pagar um subsídio digno aos pais de crianças com cancro.
*Chefe de redação