Corpo do artigo
A narrativa segundo a qual está em marcha o milagre económico anunciado pelo ministro da Economia começa a render frutos. Exemplos: a venda de automóveis recupera da descida aos infernos; a venda de casas mostra sinais de recuperação, apesar dos juros e dos spreads estarem em níveis proibitivos; as agências de viagem já veem uma luzinha ao fundo do longo túnel; os saldos mostraram o retorno do apetite pelo consumo - as marcas que praticam preços mais acessíveis aumentaram as vendas em 20% a 30%, em relação ao ano passado.
A questão é: o milagre económico vislumbrado pelo ministro da Economia deve assentar nestas bases? A subida do consumo interno, apesar do colossal aperto nas remunerações, é um bom sinal? Não, é um mau sinal. Metidos numa panela de pressão há quase três anos, os consumidores "libertaram-se" mal se abriu um pouquinho o botão do vapor. A perspetiva de que o pior já passou e que, daqui para a frente, a vida só pode melhorar (aquela coisa chamada índice de confiança dos consumidores não para de subir) traduziu-se num alívio fictício.
Pode sempre dizer-se que, nos casos citados como exemplos, as coisas estavam tão más, tão más, que qualquer recuperação, por mínima que fosse, mereceria um brinde. É verdade. O ponto está em saber se queremos brindar com champanhe ou com um tintinho bom, mas com preço acessível...
O perigo está no embrulho inebriante - a confiança está de volta, o cenário macroeconómico será revisto em alta, o défice ficará abaixo do previsto, o desemprego está a recuar, o "plano B" mereceu o visto bom da troika, os juros da dívida descem, a expectativa de regresso aos mercados em condições vantajosas cresce...
Sendo tudo isto bom, sendo tudo isto resultado do trabalho feito pelo Governo, sendo tudo isto empurrado pelas chancelarias europeias, ansiosas como estão para provar que os erros não foram assim tão grandes, sendo tudo isto decisivo para a credibilidade da troika, sobra, contudo, um problema. Que é este: falta fazer a prova de que o país alterou efetivamente o seu perfil económico. Falta fazer a prova de que as reformas de fundo acompanharam o esforço titânico que foi exigido aos portugueses. Falta fazer a prova de que conseguiremos viver com uma dívida pública que se mantém num nível assustador. Falta, enfim, fazer a prova de que as boas notícias aqui anotadas vieram para ficar.
Creio que o Governo começou a largar os foguetes demasiado cedo. Falta muito para podermos fazer a festa. Vale o mesmo dizer que o discurso do sucesso deve ser temperado, não para desmotivar quem quer ser motivado, mas para manter o cenário dentro da realidade. Que continua, e continuará , a ser dura. Por exemplo, para os 170 mil jovens a quem a crise roubou o emprego.