Um dos maiores problemas da política é aquilo que Daniel Innerarity denominou de "curto-termismo": decisões que privilegiam os benefícios políticos imediatos mesmo que gerando custos significativos no futuro. Este é o maior risco que enfrentamos com o programa europeu de recuperação económica.
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O compromisso atingido pelo Conselho Europeu exemplifica esse risco: para conseguir manter um programa ambicioso para o curto prazo cortou-se no investimento europeu no médio e longo prazo. O acordo não deixa de ser histórico e positivo. A União adotou um programa ambicioso que, ainda que apresentado como temporário e excecional, cria um precedente importante para o futuro da União Europeia. Esse programa assenta em dois pilares que há muito defendo: a emissão de dívida da própria União Europeia e novos recursos europeus próprios.
Mas o acordo também traz riscos para o futuro da União Europeia. Há um corte no quadro financeiro plurianual (o orçamento normal da União Europeia) e nas verbas inicialmente previstas para políticas como a ciência ou a saúde (difícil de compreender quando os europeus reclamam mais da Europa no contexto da pandemia). Parece ser um corte definitivo em troca de um aumento temporário... A mesma preocupação resulta do aumento dos abatimentos das contribuições para o orçamento europeu por parte de alguns dos estados mais ricos. Isto já levou o Parlamento Europeu a ameaçar vetar o acordo no que diz respeito ao orçamento europeu. O risco é que se tenha trocado mais no imediato por menos no futuro. Claro que o programa temporário pode vir a ser um precedente mais definitivo e que os novos recursos próprios permitam vir a corrigir esta aparente diminuição futura do orçamento europeu. Mas o risco existe, tal como existe o risco de uma maior intergovernamentalização do processo de decisão europeu. O Conselho Europeu parece atribuir a si próprio mais poderes, por troca com a Comissão, na avaliação da condicionalidade dos programas, seja na sua componente económica e de reformas seja face ao Estado de direito e democracia. No entanto, como foi visível na negociação deste acordo, a eficácia do Conselho é preocupante e, mais ainda, para discutir e avaliar políticas individuais dos estados-membros.
Muito vai depender da forma como as conclusões do Conselho vierem a ser interpretadas nas decisões que as têm de implementar. O programa de recuperação e o orçamento europeu não estão aprovados. O que há é um compromisso político para guiar a adoção das decisões que os vão aprovar e implementar. O debate está longe de estar terminado. É fundamental garantir que, quer a nível europeu quer a nível nacional, a distribuição e regras de aplicação destes fundos não trocam o futuro da Europa e do país pelo presente dos seus líderes políticos.
Professor universitário