Entre um queijo e uma poncha!

É um dos mais importantes exercícios da atividade do Parlamento e de suporte ao funcionamento do regime. É assim difícil de entender, muito mais de aceitar, que ao invés de o mesmo constituir um exercício de organização e planeamento dos seus impactos imediatos e futuros, visando uma estratégia de desenvolvimento, ele possa resultar de um somatório de pequenas negociações, ao sabor dos interesses específicos de partes do território e, ou, idiossincrasias ideológicas. Seja no Orçamento de 2001, ou de 2020, quando se troca o a bem da nação pelo a bem de uma estrada e uma fábrica, de meio hospital e menos juros, de um bloco de 200 euros de propinas a menos no Ensino Superior, ou de mais uma ou duas décimas de aumento para a Função Pública, estamos a regredir no tempo e a regressar a práticas longínquas e pouco aceitáveis.

A história tem situações análogas e caricatas, como as descritas no excelente livro de Vasco Pulido Valente no retrato das atividades do deputado Vieira de Castro, eleito pelo círculo de Fafe, nas suas manobras na então designada Câmara de Deputados: "não ignorando a sua dependência dos influentes, dos caciques e das respetivas clientelas, tinha de satisfazer as particularíssimas causas da sua gente. Por outras palavras, tinha de promover obras públicas no concelho, de angariar empregos e isenções fiscais".

Não é aceitável que fique a dúvida de que, numa negociação para aprovação de um Orçamento do Estado, quem melhor vender o seu voto levará obras e investimento para a sua região, concelho, ou manterá pequenos radicalismos ideológicos. Porque não será bom que a gestão das finanças públicas possa ficar ao sabor do desfecho de leilões entre o Governo e os vários e distintos interesses representados na Assembleia da República. Pedimos a um governo que o interesse do todo esteja sempre acima de qualquer interesse tático do imediato.

*Prof. catedrático, vice-reitor da UTAD