Sim, é verdade, um vendedor pode ser muito atrevido, mas não é curial tentar impingir um produto apontando-lhe defeitos; pede-se--lhe, por isso, um comportamento marcado por alguma sensatez. Há, porém, um limite, uma linha vermelha a não ultrapassar: a da sanidade mental do "cliente" sempre e quando são detetáveis a olho nu os defeitos de fabrico.
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De tão básico, espanta como o princípio é adulterado em crescendo por quem dispõe da responsabilidade da governação dos povos. Ora, se o ridículo pagasse impostos, bem melhor estaríamos....
François Hollande é o último espécimen a contribuir para a lista de ditos disparatados. Talvez confiado na ignorância dos japoneses, o presidente da República francesa juntou ontem ao ridículo da sua governação um novo elemento. Em Tóquio, perante uma plateia de empresários, Hollande tentou atraí-los recorrendo a uma pantominice. "A crise na Europa acabou", disse ele, provavelmente fazendo esforços para não se rir e não lhe caírem os dentes, tamanha é a mentira.
Quando a França também entrou na onda recessiva dos países da União Europeia e tem um inquilino do Eliseu pelas ruas da amargura da popularidade, a argumentação de François Hollande roça o esotérico. "Há melhorias na governação económica, avanços na união bancária e novas regras em matéria orçamental que permitem uma melhor coordenação e novas formas de convergência", disse o presidente francês - sem se rir, insiste-se. Como se fosse possível convencer os japoneses das virtudes de uma Zona Euro reprodutora de desempregados (mais de 20 milhões) e cuja economia se move a passo de caranguejo e está em esquema recessivo há seis semestres seguidos.
As repercussões da falta de bom senso do "vendedor" Hollande seriam lá com ele, não se desse o caso de não serem originais e acabarem por ser uma réplica de outros protagonistas também mandantes do modelo europeu em acelerado estado de decomposição.
Os povos necessitam, naturalmente, de discursos estimulantes. Dispensam, no entanto, a propensão dos governantes europeus para anunciarem o fim das crises em contraciclo à realidade socioeconómica de penúria na qual estão mergulhados.
François Hollande é só o último exemplo flagrante de como a Europa definha por estar entregue a gente insensível ou de estaleca reduzida e necessita, urgentemente, de quem lhe dê dimensão política e estratégica.
Os dislates do presidente francês poderiam ser um tónico para quem julgava serem as posições demagógicas ou ininteligíveis de autoria exclusiva de Vítor Gaspar, o nosso ministro das Finanças de coração apertado pelos maus resultados do Benfica e o excesso de chuva nos primeiros meses do ano. É um erro, porém. Na Europa, anda tudo ligado e a soma dos disparates é uma péssima bússola para o comum dos cidadãos. Assim como assim, como diz o povo, estamos entregues à bicharada.