O discurso feito, anteontem, por Manuel Machado, novo líder da Associação Nacional de Municípios Portugueses, perante o ministro do Desenvolvimento Regional, Poiares Maduro, é uma declaração de guerra que só peca por tardia. Melhor que isso: é uma declaração de guerra que pretende recolocar os autarcas no centro da decisão política, como deve ser.
Corpo do artigo
Ao lê-lo, recordei-me, num instante, do triste espetáculo dado há duas semanas pelos líderes das comissões de coordenação e desenvolvimento regional do Norte e Centro. Estes, perante um ralhete do Governo, amoucharam; os autarcas ergueram a voz, como deve ser.
Bem sei que os presidentes de Câmara têm a legitimidade democrática que falta às comissões. Mas isso não chega para explicar a lamentável subserviência destas. Basta lembrar o modo desassombrado e corajoso como gente de estatura política e calibre moral que passou pelas comissões, como Braga da Cruz, Arlindo Cunha ou Carlos Lage (apenas para citar exemplos do Norte), se fazia ouvir perante a tutela, para perceber que há um tempo e uma circunstância em que cortejar a corte corresponde a dar um tiro no pé. De quem manda e, pior, de quem é mandado. Não perceber que o império acabou e o rei foi apeado mas que a corte continua, é não entender a essência e a consequência da macrocefalia.
Foi contra isso que Manuel Machado se pronunciou, quando, olhos nos olhos, disse a Poiares Maduro que o Governo desconsidera e menoriza o poder autárquico. Que chegou a hora de inverter os termos da equação. Que nada disto se faz, caso não consigamos extirpar o "vírus antidemocrático" que ataca o Governo e corrói as instituições. Que os presidentes democraticamente eleitos querem participar ativamente na distribuição dos fundos comunitários, nomeando um gestor que os represente. Que estão dispostos a ficar com mais competências, desde que o envelope financeiro não ponha ainda mais em causa os cofres das autarquias. Que querem rever a lei das finanças locais. E que, não menos importante, não esqueceram a regionalização, sem a qual, para citar Silva Peneda, presidente do Conselho Económico e Social, nenhuma reforma de Estado fará verdadeiramente sentido.
Entretanto, do lado de lá, na vizinha Espanha, o jogo tem outra profundidade. Porque o poder tem outra configuração e acrescida legitimidade. O presidente da Junta da Galiza, Núñez Feijóo, acaba de informar que a sua região poupará 20 milhões de euros, por ter capacidade para emitir dívida sem recorrer ao Fundo de Liquidez que o Governo espanhol pôs à disposição das comunidades que não conseguem financiar-se. Motivo: a dívida por galego é 40% inferior à média nacional. Dever ser resultado daquele malvado efeito de proximidade que os centralistas tanto odeiam. E que os que o defendem na conversa deixam cair na primeira curva. Deve ser...