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Podia ter começado de outra maneira, mas o texto, como a vida, também pode ser feito de acasos. E quis o acaso que me entrasse pelos ouvidos uma das músicas de Luísa Sobral, a autora de "Amar pelos dois", canção que fez de Salvador uma estrela europeia e de Portugal o próximo palco da Eurovisão. Leram bem, de Portugal, não de Lisboa. Acontece que este é um país inclinado e o ralo está na capital, para onde tudo escorre, seja a riqueza, seja eventos musicais pirosos. Assim, em maio do próximo ano, lá teremos em Lisboa o dito festival, como se assumiu que seria quando ainda se ouvia o encore a que têm direito os vencedores.
Seguiu-se com a Eurovisão a mesma linha de raciocínio que levou a que, na corrida à sede da Agência Europeia do Medicamento (EMA), a opção pavloviana imediata tenha sido a de candidatar Lisboa. É para o Terreiro do Paço e arredores que afluem o dinheiro, o poder (político, económico e financeiro), a tecnologia, os recursos humanos, os equipamentos. Foi portanto a contragosto, e depois de mais um coro de protestos contra o centralismo, que o Governo, por uma vez, trocou o país (que é Lisboa) pela paisagem (que é o resto) e apontou ao Porto. Isso e porventura a coincidência de ser ano de eleições autárquicas e a troca até servir para dar uma ajuda ao socialista Manuel Pizarro, o candidato que, pelo menos nos cartazes de campanha, prometia "Fazer pelos dois". O problema é que, deitados os votos e feitas as contas, nem Pizarro ganhou, nem a Agência veio para o Porto.
Sempre atento à correção das injustiças, António Costa tirou mais um coelho da cartola. Não há Agência do Medicamento, transfere-se o Infarmed (o equivalente nacional à EMA) de Lisboa para o Porto. É melhor do que nada, mas, tendo em conta a forma apressada como a coisa foi anunciada, bem como o seu diferimento (é só para começar lá para 2019), seria prudente pensar um pouco sobre o assunto antes de lançar foguetes. Para citar o presidente da Câmara do Porto, e para além da satisfação, talvez fosse importante perceber quais são as "externalidades" que a deslocalização acrescenta. Ou seja, apurar o que ganha verdadeiramente o Porto (cidade e região) com a sede do Infarmed, descontados os 400 funcionários descontentes com a mudança.
Na verdade, e enquanto essas contas não se fazem, fica a dúvida, legítima, sobre o que se pretende com o anúncio. Dúvidas bem sintetizadas por Pinto da Costa, há poucos dias, a propósito do encerramento definitivo, no Porto, da delegação da Comissão do Mercado de Valores Imobiliários (CMVM). Dizia o líder dos dragões que a "sistemática centralização" do país é "interrompida, apenas de vez em quando, por umas afirmações do doutor António Costa para entreter o pagode quando vem falar de uma descentralização futura".
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