Portugal acumula condenações internacionais por ineficácia do sistema de Justiça. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem juntou ontem à coleção de vergonhas nacionais mais duas. Ambas eloquentes.
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Num caso, um casal senhorio interpôs na comarca de Matosinhos, em outubro de 2001, uma ação de despejo e de pagamento coercivo de rendas a um inquilino. Esperou, esperou e desesperou por uma decisão efetiva. Em fevereiro de 2011 - quase dez anos depois! - o tribunal decretou a extinção do processo, sabe-se lá se por algum magistrado sofrer de alergias ao pó e à naftalina. O dito cujo casal, claro, foi retorcido, não desistiu, e agora, ainda vivo, viu o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem dar-lhe razão e condenar o Estado ao pagamento de 4300 euros acrescidos de juros.
A segunda situação não é menos indecorosa. Uma trabalhadora intentou no tribunal da Maia um processo contra uma empresa e em março deste ano, cinco anos depois da abertura do caso!, continuava sentada à espera de que o sistema judicial se pronunciasse. Queixou--se e a deliberação surgiu simples e racional: dos cofres avaramente geridos por Vítor Gaspar sairá o exemplo perfeito do velho adágio popular segundo o qual há quem poupe na farinha e estrague no farelo: lá se vão 4200 euros dos nossos impostos por incúria de quem também deles vive!
Os dois casos são paradigmáticos.
A Justiça em Portugal nos últimos anos já não se conduz apenas pelo infeliz padrão divisionista entre ricos e pobres. Passou a uma etapa superior: para chegar a resultados, obriga os cidadãos - e as empresas - a disporem de paciência e perseverança, qualidades só ao alcance de gente salutarmente enxertada em corno de cabra!
Os últimos tempos, sabe-se, têm correspondido a mudanças legislativas e orgânicas profundas no sistema de Justiça, muito por obrigação decorrente do caderno de encargos a que os credores internacionais obrigaram Portugal e, enfatize-se, ao espírito reformador e teimoso da atual ministra.
Perante a multiplicidade de interesses instalados, não se afigura naturalmente fácil recuperar para a Justiça a credibilidade atirada para as ruas da amargura, conforme comprovam todos os estudos de opinião realizados nos últimos anos. Mas é urgente que o país mude de vida também nesta área.
O Estado democrático não é compaginável com uma Justiça a passo de caracol, apostando mais na desistência de quem reclama do que em punir os prevaricadores.
Os dois casos conhecidos nas últimas horas validam a angústia de cidadãos, mas não afunilam o problema para o plano individual. A economia do país é, aceite-se, a primeira a sofrer pela ineficácia da Justiça. Um empresário no seu perfeito juízo jamais investe um cêntimo em Portugal sabendo não dispor de garantias mínimas de celeridade dos tribunais em eventuais pelejas. E sem empresas o país definha, definha.