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Somados os casos de violência doméstica registados pela GNR e pela PSP, a primeira metade do ano arranca com quase 18 mil casos. É possível que isso venha a representar um aumento, quando se fizerem as contas no final do ano. Mas esse nem é o dado mais relevante. O que verdadeiramente nos devia chocar é que, ano após ano, o número de crimes de violência doméstica permaneça sempre acima dos 30 mil. Uma verdadeira epidemia em que as principais vítimas são as mulheres e, tantas vezes, os seus filhos (ainda que haja uma perceção cada vez maior da violência exercida sobre os homens).
Preocupante ainda é a possibilidade de essas 30 mil ocorrências não serem um retrato fiel do ambiente de violência em que vivem muitas famílias. O crime é público, o que significa que qualquer cidadão o pode denunciar, mas quantos serão os casos de terceiros que ousam quebrar aquela tradição retrógrada que dita que, "entre marido e mulher, não se mete a colher"?
Mais do que uma possibilidade, denunciar é uma obrigação cívica. Basta relembrar o mediático caso do bombeiro do Machico filmado, há dias, a agredir a mulher, que se refugiara em casa de familiares. Nem os gritos do filho de nove anos o demoveram. Se não viu, talvez seja um daqueles casos em que vale a pena fazer uma busca nas redes sociais. E lembre-se que a cena que vai testemunhar é semelhante àquele caso de que ouviu falar entre amigos, vizinhos ou familiares.
É verdade que, se a responsabilidade cívica fosse cumprida, o número de ocorrências acabaria por disparar. Mas seria também um elemento dissuasório e, provavelmente, um passo no sentido de reduzir o fenómeno no médio e longo prazo. É preciso parar esta epidemia de violência e cada um de nós pode ter um papel nesse objetivo. O que não serve para nada é, depois do mal feito, das vítimas maltratadas e eventualmente das mortes (72 homicídios voluntários em contexto de violência doméstica, entre 2022 e 2024, incluindo seis crianças), chorar lágrimas de crocodilo.

