Um dos problemas de dar é que é há sempre alguém pronto para receber. O outro problema é que quem recebe pode habituar-se. O Governo, por estes dias de anúncio de greves no setor público, confronta-se generosamente com estes dois problemas. Há sempre mais quem queira e há sempre quem queira mais, é uma lei inelutável.
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Não há nenhum mal em procurar sair do túnel em que caminhamos nos últimos anos e poder respirar um pouco melhor. Algo disso foi feito por António Costa e o mínimo que se pode dizer é que não se tem saído muito mal. A economia aguenta-se e a vida sorri. Mas só se aguenta, e os pedidos, reivindicações e ameaças de greve colocam uma nova pressão em altura de negociação orçamental.
A pressão, como é óbvio, vem da Função Pública e não há nesta constatação nenhum julgamento, a não ser o reconhecimento de que é ela que depende mais diretamente do Orçamento e que são os empregados do Estado quem continua a ter sindicatos com capacidade de mobilização para levar à negociação as suas exigências.
É bom que ainda existam sindicatos com capacidade de fazer aquilo que uma sociedade democrática deve aceitar com naturalidade: forças organizadas que tentem, através de meios legítimos, influenciar a governação. Se nós estamos reduzidos a uns tantos sindicatos, umas inexpressivas associações patronais, a um punhado de autarquias e aos partidos políticos, não é problema das que existem, mas de todas as outras que não viram a luz do dia.
Mas quem governa tem a obrigação do equilíbrio. Entre o que pode e o que não pode dar. Entre a quem pode e a quem não pode dar. Numa altura em que os novos empregos criados são mais precários e mais mal pagos do que antes, em que a esmagadora maioria do setor privado continua com os seus salários e carreiras congelados, esse equilíbrio é uma obrigação de coesão social. Ninguém quer hoje um país dividido entre "eles" e "nós", público e privado. Mas isso tanto vale para não querer os trabalhadores do Estado castigados a dobrar, como para não os ver transformados numa vanguarda privilegiada, quando sobre a cabeça de todos nós ainda pairam negras nuvens. António Costa, o equilibrista, vai ter um estreito caminho para andar.
P.S. - O país que não existe fez ouvir a sua voz, e é ver a atrapalhação do PS a tentar justificar a instintiva vontade do Governo de fazer de uma candidatura à Agência do Medicamento, que deveria ser nacional, uma candidatura de Lisboa. Em ano de eleições autárquicas, bem podiam ter mais cuidado com estes reflexos condicionados, resultantes de uma permanente e insanável falta de equilíbrio territorial.
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