Dando continuidade ao repto de escrever sobre o Norte e as Regiões, começo por sublinhar a coincidência de, quase em simultâneo com o meu escrito, também Rui Rio se ter insurgido contra o facto de a reforma da administração pública pouco ter beliscado a administração central. O tema tornou-se mais óbvio, e premente, com a acumulação de encerramentos no interior e nas pequenas localidades. Explicações de circunstância, sem um enquadramento lógico numa política equitativa de desenvolvimento territorial que vá para além do curto prazo, e sem que seja evidente a existência de medidas relevantes de racionalização nos grandes centros e, em especial, nas "imediações" do poder executivo, agudizam a percepção de que há dois pesos e duas medidas. Poupam-se tostões na "província", mas não se toca nos principais núcleos eleitorais. Que se lixem as eleições? Olhe que não, senhor primeiro-ministro!
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Se forem mal resolvidas, estas questões condicionarão a fixação de populações e condenarão o interior à condição de paisagem, quantas das vezes ardida, com efeitos negativos sobre uma multiplicidade de actividades, entre as quais o turismo. Não há uma solução mágica. Alguma concentração de serviços será inevitável, como na saúde, como forma de garantir a qualidade do serviço a prestar. Explique-se e identifiquem-se medidas compensatórias e de discriminação positiva. A necessidade de garantir um rápido reequilíbrio das contas públicas não justifica que tudo o resto fique em hibernação, como se pudesse ser ressuscitado a qualquer altura. Essa lógica de gerir prioridades é perigosa: pode acontecer que o que se julgava adormecido, afinal tenha morrido. Os remendos que vão havendo não passam disso mesmo. Uma política para o território não resulta, mecanicamente, do somatório de políticas (admitindo que as há) sectoriais. Pior. Pensar que o problema do Interior se resume a política agrícola e florestal é ter uma visão rústica e passadista do país. Com a atenção focada nos encerramentos, nos cortes e na pressão orçamental, estas questões perderam prioridade. Quando acordarmos para elas, talvez seja tarde de mais. Na ausência de outras entidades, seria papel das CCDR mantê-las vivas, mobilizando os agentes locais para a sua discussão.
Na ordem do dia mantém-se a privatização da ANA. Pelo que se sabe, zangaram-se as comadres, com Governo e Administração a trocarem acusações. Oxalá se possam vir a saber algumas verdades. Como santos da casa não fazem milagres, ignoremos os sucessivos alertas que a Associação Comercial do Porto tem vindo a fazer, e foquemo-nos no que diz a OCDE. Perante a anunciada privatização da ANA, aquela organização quer um quadro regulatório que possa evitar as rendas que uma posição de monopólio privado poderia permitir e sugere que se analise a possibilidade de dividir os activos, antes da venda, como forma de garantir a concorrência. Nada de novo, mas é a OCDE que o diz! Segundo o "Jornal de Negócios", preocupa-a, ainda, a excessiva importância que possa ser dado ao critério financeiro. "O Governo deve dar prioridade à maximização da contribuição destes ativos para o crescimento de longo prazo de Portugal em vez de uma venda rápida, sobretudo em tempo de crise, quando as condições para a alienação podem não ser as melhores". Seria bom que a troika ouvisse a OCDE. Quando se vai sabendo que poderia haver interessados em aeroportos mais pequenos, com características de negócio próprias, a privatização separada é um cenário que deve ser cuidadosamente estudado. Salvaguardaria a ligação desses equipamentos ao desenvolvimento regional e, no limite, até poderia ser uma maneira de maximizar receitas. Mais virtuoso não há! Se, no estertor final, a actual Administração da ANA revelasse as contas dos diferentes aeroportos, ajudaria a clarificar esta dúvida, prestaria um serviço ao país e talvez pudesse ser perdoada. A arrogância tecnocrática dos especialistas que tudo sabem e, por isso, não precisam de prestar contas, tem, como se viu com o aeroporto de Lisboa, dado maus resultados. E, sobretudo, é um atentado à democracia.