O primeiro-ministro turco, Recep Erdogan, não gosta das redes sociais. Está no seu direito, claro, e conheço muito boa gente que as não frequenta e até outras igualmente recomendáveis que as detestam. Mas Erdogan, ao que parece, não só não gosta como não aceita que as frequentem: e adora proibir. Desta feita, foi o Twitter a ter o desagradável privilégio de ser o alvo das iras de Erdogan: porque este, sem mais nem menos, bloqueou-o recorrendo para isso a várias decisões de tribunais "simpáticos".
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É certo, Erdogan não tem tido a vida fácil, com uma contestação interna aguerrida (vejam-se os confrontos de rua no ano passado e ainda em fevereiro deste ano); e sobre ele ou próximos dele pendem acusações de corrupção com base em gravações que inicialmente declarou serem falsas para depois aceitar serem verdadeiras mas não provarem rigorosamente nada. Claro que não, não é?
Vai daí, e porque a culpa é sempre do meio que transporta a mensagem, o primeiro-ministro turco confirma que, para si, a liberdade de expressão é mais ou menos como o sal nos pratos cozinhados: só q.b..
Esta é uma tendência que vem de longe. Há 11 anos à frente do Governo, Erdogan fez o Parlamento aprovar em 2007 legislação muito restritiva sobre a Internet (e desde há um mês, ainda pior), que permite proibir o acesso a um qualquer site apenas com base na "suspeita" da prática de um crime; entre 2008 e 2010, proibiu o Youtube, porque este recusava retirar vídeos considerados ofensivos para o pai fundador da Turquia moderna, Atatürk; já foram fechados milhares de sites; e têm sido frequentes as ameaças a jornalistas. É, sem dúvida, um belo cadastro.
A Turquia tem-se além disso afastado, de uma forma primeiro impercetível e agora mais nítida, do projeto-chave de adesão à União Europeia. Talvez porque, tudo tendo feito para satisfazer Bruxelas, percebe agora mais claramente várias coisas. A primeira, é a de que a União Europeia não tem no presente capacidade para a absorver e tem agora também menos capacidade de sedução. A segunda, a de que não há na UE suficiente vontade política comum que permita num futuro próximo a adesão, pelo que o namoro é platónico e não consumado. E a Turquia percebe, finalmente, que o seu destino a Oriente é, estratégica e geopoliticamente falando, muito promissor. Veja-se, em demonstração, a sua política externa muito mais agressiva, seja na Síria, relativamente ao Iraque (via PKK) ou até a Israel.
Depois, a Turquia está hoje muito menos mais "laica" e "ocidental" do que há uma década. Porque, adotando a técnica do salame, fatia a fatia, Erdogan controla hoje, de facto, tanto o aparelho militar como o sistema judicial.
Isso faz da Turquia uma ditadura ou um regime claramente autoritário? Ainda não, a conclusão seria injusta. Mas os sinais muito preocupantes são vários, repetem-se e começam a ser padrão.
Vá lá, a sociedade civil turca continua a reagir e a recusar a proibição. Foi vedado o acesso a twitter.com? Logo milhões de tweets foram enviados por outras formas, e até o presidente turco twittou imediatamente a dizer que a medida era disparatada. Era, e é.
Recorrendo a banalidades, era bom que o primeiro-ministro turco compreendesse que a liberdade de expressão, no essencial, protege. E protege, principalmente, aqueles que nos desagradam, que nos irritam, que nos chocam - e daí não vem mal ao Mundo.
E, já que estamos em fase de redes sociais, convenhamos que ali se encontra de tudo. Do mais erudito ao mais mundano, da inteligência mais sublime à estupidez que até a sarjeta rejeita. Mas esses extremos são o que define a liberdade de expressão numa democracia.
Para o provar, sugiro duas escolhas "únicas" na net. A primeira, Cristina Scuccia, freira italiana de 25 anos que está a fazer furor porque concorreu a um programa de talentos em Itália (e nem canta nada mal). Depois, ainda mais importante: Madonna decidiu exibir ao Mundo a pelagem farta das axilas, tão abundante e densa que andam de certeza por aí muitos ursos pardos roídos de inveja.
Vale a pena, ou não vale? Depois não digam que não sou amigo.