Escândalo na Alemanha
No início do ano, os alemães ficaram em "estado de choque" com a divulgação pública das falhas incompreensíveis das suas polícias que, ao longo dos últimos 13 anos, foram incapazes de travar a ação criminosa de uma célula terrorista neonazi, suspeita do assassínio de nove imigrantes, da morte de uma agente da polícia, de 14 assaltos a bancos e de dois atentados bombistas que provocaram dezenas de feridos!
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O caso foi então considerado pela Chanceler Angela Merkel uma humilhação para a Alemanha. Apesar da patente motivação xenófoba dos homicídios - nove pequenos comerciantes: oito turcos e um grego - e de os depoimentos dos familiares das vítimas apontarem para o envolvimento de organizações da extrema-direita, as investigações policiais, paradoxalmente, preferiram seguir outras pistas - o fundamentalismo islâmico, as máfias turcas e a extrema-esquerda - deixando os terroristas neonazis à vontade para prosseguir a sua atividade criminosa. Os "Nacional-Socialistas Clandestinos", designação adotada pelo bando sediado em "Zwickau", na Alemanha de leste, conseguiram iludir as forças de segurança até ao final do ano passado, quando, na iminência de serem descobertos, dois dos seus membros cometeram suicídio e um terceiro se entregou à polícia, após mais um assalto a um banco.
Na passada segunda-feira, o ministro do interior alemão, Hans-Peter Friedrich, que ainda há bem pouco tempo persistia na negação de que o terrorismo da extrema-direita fosse uma ameaça séria na Alemanha, teve de aceitar o pedido de "reforma antecipada" do chefe dos serviços secretos, Heinz Fromm, que desempenhava aquelas funções desde 2000, em consequência da denúncia de que um dirigente dos seus serviços teria procedido à destruição deliberada de sete ficheiros relacionados com aquela célula terrorista neonazi, quando as autoridades judiciais reclamaram a entrega de toda a documentação que lhe dissesse respeito. Este procedimento, justificado como "excesso de zelo", pode indiciar o intuito de proteger informadores ou agentes secretos infiltrados naquele grupo criminoso, o que aponta para uma perigosa teia de relações que reclama cabal esclarecimento. O líder parlamentar da oposição, o social-democrata Frank-Walter Steinmeier, declarou em Berlim que o pedido de demissão de Heinz Fromm, dirigente máximo dos serviços de informação, demonstra que este assumiu as suas responsabilidades institucionais e reconhece a "conduta incompreensível, intolerável e totalmente injustificável dos seus subordinados". Mas a sua demissão não resolve o problema para que ele próprio, aliás, vem há muito chamando a atenção: a sistemática desvalorização e a escassez de meios para combater a ameaça crescente do terrorismo da extrema-direita.
Desde o ano passado que os serviços de informação e a atuação das polícias estão a ser investigados por inúmeras comissões ao mesmo tempo que decorre um inquérito parlamentar federal. Tem sido sublinhada a deficiente partilha de informação e articulação entre serviços de informação e polícias, distribuídos pelos níveis estadual e federal, e compartimentados segundo competências específicas. Esta arquitetura complexa exprime uma preocupação cívica legítima: evitar o perigo de uma excessiva concentração de poderes numa única organização. Segundo David Crossland - no "Spiegelonline", de 3 de julho - os serviços de informação são apenas "o espelho de uma cegueira social generalizada, onde se incluem os meios de comunicação social, para com a ameaça da violência de extrema-direita". O governo federal não deu ainda indicação das mudanças que pretenderá promover e, de facto, para o ministro do Interior Hans-Peter Friedrich, a demissão do presidente dos serviços de informação - Bundesamtes für Verfassungsschutz (Agência Federal para a Proteção da Constituição) - não poderia ter sido mais oportuna, transformando Heinz Fromm no "bode expiatório" das responsabilidades próprias de um poder político relapso e indigente.